Nicoly 08/02/2024
Lágrimas secas no meu Nordeste
Vidas moribundas ao relento de uma esperança que finda como a água. Famílias desintegradas pelo destino.
Escassez, abandono e dura esperança.
Encerrar ?O Quinze?, após absorver-me em uma leitura tão penetrante e sincera, rendeu-me reflexões profundas sobre uma época e um contexto que eu apenas conhecia por meio de histórias contadas por minha bisavó. Por outro lado, a sensibilidade da obra e seu espírito de denúncia sobre um povo esquecido e castigado pela escassez hídrica me fizeram repensar outros vieses mais obscuros da temática.
Isto posto, assiná-lo o direcionamento categórico de Rachel de Queiroz sobre os sofrimentos psíquicos das personagens, as quais, mediante a mudança de pontos de vistas, possuíam diferentes situações financeiras e, com isso, demonstram-nos a relação implacável que uns poucos réis poderiam suscitar na vida de cada um.
Seja através da descrição precisa no que tange à fauna e flora do sertão cearense, seja através das conflitantes e resignados sentimentos do vaqueiro Vicente, da estudiosa e progressista Conceição, dos retirantes Chico Bento e Cordulina, a autora sabe retratar variadas visões acerca de uma mesma luta, conferindo ao leitor a postura de um observador tão vulnerável e desalentado como as personagens da trama.
Ademais, aludindo ao difícil papel da maternidade no transcorrer de uma seca histórica, o retrato de uma mulher retirante e de seus cinco filhos sobre um castigante sol e seca, os quais inevitavelmente transmutam-se em personagens em certos instantes da narrativa, agrega-se ao perpétuo sentimento de fome e sede que assolam dia e noite almas que vagueiam com nada além de irrisórias frações de rapadura e de farinha. Acompanha-se a sobrevivência de seres num amiúde marchar sobre uma vida já sentenciado. É sobre ajoelhar-se, por ausência de forças e por misericórdia, em um clamor sôfrego e anérgico em busca da esperança. Em busca de uma solução.
Uma lágrima de esperança e de uma de derrota, sobrevivência e vivência, partidas e despedidas, deixar morrer ou ser morto pela seca.
Verdadeiramente, rememora-se um povo que brande sua bandeira branca, essa tão cinza quanto a visão de uma gente que chora sobre sua cinzenta paisagem sertaneja despretensiosamente amada.
Nicoly Marinho,
08 de fevereiro de 2024