Rangel 16/02/2010
Insanidade Contraditória
A obra "Elogio da Loucura" de Erasmo de Rotterdam (escritor, secretário episcopal, professor e doutor em teologia), escrito em 1509, critica os costumes da época que constou a Loucura como autora e protagonista de um discurso literato crítico, satírico e irônico.
A palavra loucura se apresenta como ambigüa e desenvolve uma análise a partir do cotidiano das pessoas e das atitudes e comportamentos da época renascentista. Ela apresenta as contradições que se auto afirmam e se negam, o que é a causa da insanidade (loucura) dos homens e mulheres. A loucura é um ponto de partida na decisão de homens em todas as épocas, tantos as positivas como as negativas, as conseqüentes e as não-conseqüentes, as importantes e as não importantes. Todo ato humano é desencadeado pela loucura e exemplifica o deus Plutão que gerou a loucura da juventude da humanidade.
A crise dos estóicos e os graves erros dos escolásticos evocam os absurdos de questões teológicas que não seriam sequer entendidos pelos próprios apóstolos de Cristo. As linhas de pensamentos são saberes enganosos e por isso que se classifica duas loucuras: a loucura sã, que é a loucura inteligente, e a mera loucura, que é a do saber enganoso. Dessa forma, constitui-se uma estreita ambigüidade da realidade humana, que sempre está em contradição. O interessante de Rotterdam que ele não nega a superestrutura com sua crítica, mas procura sugerir modificação da infra-estrutura, e para isso, ele busca valorizar o saber não como forma de dominação, mas sim como forma de compreensão da própria estrutura da sociedade em que se vive e a forma de melhorar a convivência do homem com os demais socialmente.
Para justificar seu elogio à loucura, Erasmo utiliza Homero, que examina a vida dos deuses, Aristóteles, Platão, Sócrates, Sófocles e outros de sua época e de antes. A recorrência a esses pensadores, propicia desnudar o discurso linear dos estóicos e dos escolásticos, e mostra o caráter intervencionista e paranóico dessas teorias que têm na ignorância a base e o fim de suas teses, e que são utilizadas como forma de impedir o verdadeiro conhecimento de seu tempo e de sua vida, o que dificulta a própria prática da fé, uma vez que sem a contradição reina a mentira.
Nada além de uma saída para os que advogam a escuridão como regra para a manutenção de privilégios baseados em falsos conhecimentos que não resiste ao estudo sob o comando da contradição, ou seja, da loucura. Enfim, o autor traz as teorias sobre a loucura na perspectiva da vida organizada com as evoluções do pensamento religioso sob a ótica católica, que se opõe a qualquer tese que venha transformar essa realidade. Nesse sentido, a contradição é no livro de Rotterdam uma arma para a manutenção dos poderes e formas de vidas constituídas. Através de citações extraídas da bíblia e de exemplos de Jesus, o autor deixa claro que os homens são malucos, mesmo os que fazem profissão religiosa.
O autor encerra com questões a respeito dos que são eleitos antecipadamente para gozar as delícias da beatitude e afirma serem eles de números reduzidos, e associa suas atitudes com sintomas que se assemelham aos da loucura.
Assim, o livro se configura esclarecedor com informações e análise tanto da hipocrisia religiosa da idade média e do renascimento e como das mudanças ocorridas e contradições encontradas tanto no pensamento como no interior do poder da Igreja.