Rafael 24/09/2021
Música transformada em palavras
Como o título da obra já indica, "Ragtime" se mostra um livro muito interessante por conseguir traduzir, em palavras, o ritmo musical que lhe nomeia. Sincopado desde o início, a leitura se mostra, por vezes, arrastada e desconexa, como se um músico "virtuose" começasse a improvisar sua melodia por meio de uma simples inspiração. Acordes bonitos e conhecidos, mas não necessariamente concatenados, nos são submetidos e, talvez por isso, podem causar certo estranhamento. Confesso que, até a página 120, o ritmo do livro não me animou muito, mas, daí em diante, é como se a música nele contida chegasse a apoteose, promovendo um frenesi no ouvinte que o impede de largar a leitura (ou deixar de ouvir a música). Por isso, fica a advertência, insista na leitura, pois a obra merece ser lida. Feita essa indissociável comparação musical, o enredo da obra não deixa nada a desejar e somos apresentados a uma América do Norte que, a despeito da época, apresenta contradições ainda presentes na contemporaneidade. Feminismo, racismo, sexismo e tantos outros temas incipientes naquele tempo, parece que não amadureceram muito desde então, pois o debate permanece praticamente no mesmo ponto inicial. Isto é, embora tenhamos evoluído enquanto sociedade, parece que não evoluímos em igual proporção enquanto seres humanos, já que os mesmos embates de outrora persistem. Se não bastasse tudo isso, o autor ainda nos brinda com o interessante recurso de não nominar as personagens principais. Essas, em verdade, são chamadas de Mamãe, Papai, Vovô e daí por diante, permitindo que o leitor encare-as como standards (personalidades padrões) da sociedade daquele momento, sem lhes retirar a individualidade. É dizer, o escritor é genial em aproximar as personagens a qualquer pessoa, já que qualquer uma pode ser Mamãe ou Papai, contudo sem lhes retirar a própria essência, dando-lhes certas nuances única. Aliado a isso, ele ainda mistura ficção com realidade ao inserir no texto figuras históricas e reais, dando ares de concretude aquilo que é narrado. Enfim, é uma obra singular que merece, de fato, ser lida.