bruna.nosferatu 24/10/2022
Impactante e polêmico
É preciso analisar de forma crítica a homofobia, a desumanização e o racismo contidos no livro. De forma geral, vejo que o autor foi bem imparcial ao escrever, ao contrário do que muitos falam de o livro só destilar preconceito gratuito. O livro é bem antigo, de 1895, e é característica típica do naturalismo essa escrita nua e crua, por vezes animalesca, apresentando especialmente o lado mais marginalizado da sociedade.
Vejo que Adolfo Caminha estava apenas apresentando a forma como a sociedade da época via pessoas e comportamentos tidos como "fora da normalidade" ou "impuros". O autor é capaz de exaltar o protagonista Amaro, o "Bom-Crioulo", em uma linha e depois desumanizar na outra. Descreve Aleixo como uma mulher na presença de Amaro e como um homem perto da portuguesa Dona Carolina, essa personagem também é escrita de forma antagônica à sua maneira. É problemático sim! Mas tem uma função narrativa dentro do contexto e nos desperta algo! São arquétipos muito complexos e os personagens são apresentados da forma como são majoritariamente vistos pelos outros. Também não vou dizer que é uma história 100% isenta, talvez o autor acreditasse em umas coisas absurdas descritas mesmo, apesar de ser um abolicionista.
Mas para salvar a relevância e o legado desse livro, dá pra construir uma reinterpretação baseada contexto atual imaginável. Este não é um livro bonitinho e nem agradável de se ler em muitos trechos. Ao contrário do que muitos fazem parecer, a literatura, assim como a arte em si, não existe para ser necessariamente agradável. É comum que um escritor queira alcançar outros objetivos além do entreterimento ou da estética, muitas vezes, objetivos críticos e reflexivos. Em outras palavras: nos deixar com "aquela pulga atrás da orelha".
As problemáticas do livro podem ser questionadas, reinterpretadas ou até condenadas, mas nada disso anula a importância deste, que é considerado o primeiro livro brasileiro a abordar a homossexualidade na temática principal, e interracial e o primeiro protaginista preto e homossexual. Além de também agregar na outra outros temas, mas não menos importantes, como racismo, miséria e pobreza. A escrita é fluída e cativante, pouco se fala sobre as descrições dos ambientes da história, eu consegui imaginar cada local, cada personagem e cada sentimento, é super bem escrito. É uma história muito bem contada para tão poucas páginas, você não consegue parar de ler até saber o desfecho.
Assim, muitas obras polêmicas desse tempo, deve ser lido com sangue de barata, de forma crítica, a fim de querer construir uma discussão em cima disso e não apenas agir como cancelador de twitter. Acredito que já conseguimos filtrar o que ficou ultrapassado e o que permanece atual e relevante e muitas obras são dúbias nesse sentido, como "Bom-Crioulo". É apenas uma questão de história, como uma janela para outro tempo. É muito fácil apenas condenar uma obra julgando-a com o nosso olhar "imaculado" do século XXI.