Drighi 28/04/2021
O Bom-Crioulo pertence aos clássicos da Literatura Brasileira e ao período do Naturalismo no Brasil. Adolfo Caminha Militar e romancista brasileiro nascido em Aracati, Estado do Ceará, considerado um dos principais representantes do naturalismo no Brasil.
Apesar de ser considerado um dos principais representantes do naturalismo brasileiro, Caminha escreve seu livro de maior prestígio sobre fortes influências do Naturalismo Francês. O transplante das regras do romance naturalista europeu para o Brasil acarretará uma série de problemas do ponto de vista da interpretação da matéria brasileira. Neste período, a ciência tem uma forte importância para a escrita dos romances e ocorre que a ciência da época postulava como “verdades”, por exemplo, a superioridade racial dos brancos sobre os negros e o caráter insalubre do clima tropical. Miscigenação racial e clima quente eram vistos como fatores de degeneração humana, verdadeiros obstáculos para o estabelecimento de uma civilização nos trópicos. Assim, ao acatar tais verdades científicas, o escritor brasileiro produzia um documento literário que declarava a inferioridade do Brasil em face da Europa... São contradições comuns em um país como o Brasil, que em suas trocas culturais tende a adotar as ideias, vindas do estrangeiro de forma passiva, sem ousar criticá-las.
Como já dito antes, a ciência em meados do século XIX afirmava a inferioridade racial de negros e a determinação do ambiente e do clima como fatores decisivos na constituição do ser humano. Um ambiente insalubre, como um cortiço ou uma favela, segundo esse raciocínio, determinaria comportamentos individuais e coletivos também insalubres e anormais.
Com relação ao clima, entendia-se que o clima tropical, marcado pelo calor excessivo, também era prejudicial ao desenvolvimento civilizado do ser humano. Nesse sentido, pode-se entender que ocorre uma espécie de inversão da concepção da natureza brasileira: se, no período romântico, a natureza era enaltecida pela sua exuberância sem igual, no romance naturalista ela é vista como um obstáculo ao progresso do país.
Como uma obra produzida totalmente influenciado pelo meio, temos em “O Bom-Crioulo” questões que hoje são consideradas totalmente preconceituosas tanto em questões raciais quanto sexuais. Apesar de ser considerado o primeiro grande romance por abordar a homossexualidade, ele não foi muito bem recebido na época de sua publicação. Fora taxado como um livro obsceno, erótico, na maneira pela qual a homossexualidade foi trabalhada, além de vincularem os fatos narrados no romance à vida pessoal do autor.
Não é uma obra que vem tratar as relações sexuais homoafetivas como naturais, infelizmente. O fato de ser considerada a primeira obra a abordar o assunto, ela não vem com uma perspectiva positiva, pelo contrário, ela usa de termos e expressões duras para abordar tais questões. Fruto do meio em que foi produzida, cabe ressaltar.
A fábula de Bom-Crioulo consiste, em suma, na relação homossexual do escravo fugido, Amaro, também chamado de Bom-Crioulo, e do grumete Aleixo. Ambos se conhecem numa corveta da Marinha e passam a ter um relacionamento, chegando a viver juntos em um quarto alugado em um sobrado no Rio de Janeiro. Após Bom-Crioulo passar a servir a outro navio, o que fez com que ele raramente frequentasse sua moradia, Aleixo inicia uma relação com D. Carolina, a dona do sobrado em que viviam. Por fim, após fugir do hospital da Marinha no qual se encontrava em recuperação por causa dos ferimentos causados por um castigo no navio, Bom-Crioulo descobre o relacionamento entre Aleixo e D. Carolina e, tomado por ciúmes, assassina o grumete.
Para finalizar a resenha, deixarei alguns de inúmeros trechos que chamaram minha atenção durante toda a leitura para julgamento e observação dos leitores. Trechos que fundamentam minha resenha acima e que trazem os principais temas abordados no livro: sexualidade, machismo, feminino e superioridade racial, entre outros.
• “Navio de guerra sem chibata é pior que escuna sem mercante;”
• “Ora, aconteceu que, na véspera desse dia, Herculano foi surpreendido, por outro marinheiro, a praticar uma ação feia e deprimente do caráter humano. Tinham-no encontrado sozinho, junto à amurada, em pé, a mexer com o braço numa posição torpe, cometendo, contra si próprio, o mais vergonhoso dos atentados.
[…] no convés brilhava a nódoa de um escarro ainda fresco: Herculano acabava de cometer um verdadeiro crime não previsto nos códigos, um crime de lesa-natureza, derramando inutilmente, no convés seco e estéril, a seiva geradora do homem.
Grande foi o seu desapontamento ao ver-se apanhado em flagrante naquela grotesca situação.”
• “Estava satisfeito: mostrara ainda uma vez que era homem… Depois estimava o grumete e tinha certeza de o conquistar inteiramente, como se conquista uma mulher formosa, uma terra virgem, um país de ouro… Estava satisfeitíssimo!”
• “Nesse tempo o "negro fugido" aterrava as populações de um modo fantástico. Dava-se caça ao escravo como aos animais, de espora e garrucha, mato a dentro, saltando precipícios, atravessando rios a nado, galgando montanhas...”
• “Até então sua vida ia correndo como Deus queria, mas ou menos calma, sem preocupações incômodas, ora triste, ora alegre, é verdade, porque não há nada firme no mundo, mas, enfim, ia-se vivendo... Nada é impossível debaixo do céu.”
• “Sua amizade ao grumete nascera, de resto, como nascem todas as grandes afeições, inesperadamente, sem precedentes de espécie alguma, no momento fatal em que seus olhos se fitaram pela primeira vez. Esse movimento indefinível que acomete ao mesmo tempoduas naturezas de sexo contrários, determinando o desejo fisiológico da posse mútua, essa atração animal que faz o homem escravo da mulher e que em todas as espécies impulsiona o macho para a fêmea, sentiu-a Bom-Crioulo irresistivelmente ao cruzar a vista pela primeira vez com o grumetezinho. Nunca experimentara semelhante coisa, nunca homem algum ou mulher produzira-lhe tão esquisita impressão, desde que se conhecia! Entretanto, o certo é que o pequeno, uma criança de quinze anos, abalara toda a sua alma, dominando-a, escravizando-a logo, naquele mesmo instante, como a força magnética de um imã.”
• “Ao pensar nisso, Bom-Crioulo sentia uma febre extraordinária de erotismo, um delírio invencível de gozo pederasta...
Agora compreendia nitidamente que só no homem, no próprio homem, ele podia encontrar aquilo que debalde procurava nas mulheres.
Afinal de contas era homem, tinha suas necessidades, como qualquer outro: fizeram muito em conservar-se virgem té os trinta anos...”
• “Enquanto iam-lhe cicatrizando as feridas roxas do corpo tatuado pela chibata, abria-se-lhe na alma rude de marinheiro um grande vácuo.”