Katia.Borges 10/07/2023
Sobre a atualidade de Bom Crioulo
Bom Crioulo, de Adolfo Caminha, aborda temas atuais a despeito de ter sido publicado em 1895 : além do relacionamento homoafetivo, o fato de o personagem principal ser negro e a crítica às instituiçoes miliares.
Na época em que foi lançado, o livro causou burburinho. Os motivos atravessam as temáticas citadas e o perfil branco, heteronormativo e burguês que compunha a maior parte da crítica especializada. Acusado de imoral por tocar num assunto que naquele contexto histórico era proibido, o próprio autor se defendeu da acusação afirmando que longe de apoiar o sexo entre dois homens, o seu livro seria uma espécie de contribuiçao à ciência que atestaria os efeitos nefastos da ?pederastia? sobre o caráter humano.
Se julgamos com os olhos de hoje é possivel apontar Adofo Caminha como homofóbico. Mas numa época em que os discursos destituiam os negros de humanidade e, portanto, de afetos; e as relações homoafetivas eram invisibilizadas pelo discurso moralista, Bom Crioulo, a obra mais do que a intenção do seu autor, como espaço aberto, passivel de reelaborações, foi resgatado algum tempo depois pela comunicade LGBTQIA+ como o primeiro romance basileiro a ter como portagonista um homem negro e gay.
Se o fato de o livro ter sido a primeira obra nacional a trazer uma personagem com essas características não for suficiente para abrirmos mão de uma leitura crítica acerca do circuito discursivo criado em torno dos personagens; seria igualmente injusto fazermos uma leitura anacrônica de Bom Crioulo, e acredito que esteja aí o maior desafio imposto pela obra na atualidade.
Mas, afinal, por que que ler Bom Crioulo hoje?
Ao lermos Adolfo Caminha, o livro e o artigo que escreveu em que se declara homofóbico, é impossível não refletirmos sobre a importância da literatura para pensarmos a sociede. Uma vez que parte do que os autores escrevem é fruto dos valores de uma época, a literatura é uma espécie de testemunha que lança luz sobre o próprio contexto histórico em que foi escrita.
Ler Bom Crioulo como um testemunho vivo e presente sobre as agruras de um passado que teima em se repetir. Na literatura, inclusive.
#literaturabrasileira
#literaturacearense