helmalu 31/01/2017Melhor livro da minha vida
"[...] pensei que, afinal, talvez seja isso a vida: muito desespero, mas também alguns momentos de beleza em que o tempo não é mais o mesmo." (p. 350).
O texto de hoje não pode nem ser considerado uma resenha. Vai ser algo próximo a uma ode, uma homenagem, ao livro A elegância do ouriço. Existem alguns livros que eu leio e os coloco na categoria life changing book, ou seja, aqueles livros que, de um modo ou de outro, me fizeram refletir muito e que me deixaram uma profunda impressão. Esse é o caso deste livro maravilhoso:
Nunca havia lido nada da autora e agora quero ler tudo!
Toda a narrativa é ambientada num condomínio de luxo, no qual as duas protagonistas moram. Uma é Paloma, uma menina de doze anos proveniente de uma família rica. Paloma é uma menina muito, MUITO inteligente, mas seus pais e sua irmã sequer notam isso e acham que ela é esquisita. A verdade é que ela é uma menina muito consciente da podridão do mundo, digamos, e sabe muito bem que a vida não é um mar de rosas, baseada nas observações comportamentais que faz das pessoas próximas a ela. Sendo assim, ela decide que, no aniversário de treze anos, vai cometer suicídio e incendiar o apartamento. Dramático? Sim. A única coisa que a impediria de por em prática esse seu plano seria se ela encontrasse um sentido para a vida antes.
"Fico pensando se não seria mais simples ensinar desde o início às crianças que a vida é absurda."(p. 20)
A outra protagonista é Renée Michel, a concierge (porteira, zeladora) do condomínio, uma senhora viúva, baixinha, gordinha e que os moradores tratam como é de se esperar que os ricos tratem os subalternos: com desprezo. Renée sabe de sua condição de invisibilidade no ambiente em que vive, o que ninguém sabe é que ela é uma verdadeira intelectual: lê alta literatura e aprecia arte e música. Tem até um gato chamado Leon (em homenagem a Tolstói). Ela constrói um disfarce para que todos acreditem que ela é uma medíocre concierge, aproveitando o estereótipo da sua profissão e classe social:
"A Sra. Michel tem a elegância do ouriço: por fora, é crivada de espinhos, uma verdadeira fortaleza, mas tenho a intuição de que dentro é tão simplesmente requintada quanto os ouriços, que são uns bichinhos falsamente indolentes, ferozmente solitários e terrivelmente elegantes."(p. 152)
Eu achei essa comparação feita por Paloma muito sublime, poética demais! E pelo visto vocês podem perceber que a identidade secreta de Renée foi desvendada! Esta é uma das reviravoltas da estória, quando Paloma e o novo e misterioso morador do condomínio, o Sr. Ozu, unem suas suspeitas e chegam à conclusão de que Renée não é uma simples concierge. A partir daí, uma amizade, à primeira vista improvável, surge entre os três, e é lindo!
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Toda a escrita do livro é feita em forma de romance epistolar, o que faz com que o leitor sinta-se íntimo das protagonistas e consiga entender seus dilemas, o contexto de suas vidas e o que motiva suas decisões. Quero dizer que Paloma e Renée são duas personagens muito cativantes - não vou nem citar o fato de que elas gostam de gatos, literatura e gramática - e, apesar de diferentes entre si, uma rica e criança, outra pobre e adulta, possuem muitas coisas em comum. E essa perspectiva que o livro traz, para mim, é a mensagem mais importante: ricos ou pobres, todos nós somos iguais. Aquilo que somos não é ditado pelas aparências. Não importa se moramos em um apartamento de 400 metros quadrados ou em uma casinha de porteiro, os problemas e as angústias são inerentes ao ser humano e não escolhem classe social, cor, nacionalidade... A felicidade é uma quimera a qual todos nós corremos atrás. Quem nunca se perguntou qual é o sentido de tudo o que vivemos, e porque estamos aqui, qual o propósito de tanto sofrimento e luta se a existência nessa Terra é finita!?
De início o leitor pode até questionar: "Do que essa menina mimada está se queixando? Muitos sonham em ter a vida que ela tem!" ou "De que adianta estudar e ler tanto se ninguém se importa com isso, se ninguém repara?". Eu digo que a leitura vale a pena cada vírgula!
A edição que li foi gentilmente emprestada pela Paula, do blog Caçando ouriços, que depois de muitos argumentos me convenceu que esse é um livro incrível. Agora eu quero comprar uma edição para mim e guardá-la num potinho ❤
Dentre as reflexões que o livro propõe, uma delas é a crítica a uma sociedade que vive de aparências, principalmente à classe "nobre", cujos modos de vida são superficiais. Paloma, em certo momento, justifica a vontade de deixar este mundo, pois já sabe o destino que a aguarda: casar com um homem rico, de família, e levar uma vida muito parecida com a da sua própria mãe, que é escrava dos antidepressivos e que mascara sua infelicidade servindo chás às amigas e cuidando das plantas. É compreensível que Paloma sinta-se insatisfeita com a vida diante do que ela relata ao leitor.
"Não se deve esquecer que o corpo definha, que os amigos morrem, que todos nos esquecem, que o fim é solidão. Esquecer muito menos que esses velhos foram jovens, que o tempo de uma vida é irrisório, que um dia temos vinte anos e, no dia seguinte, oitenta." (p. 138).
Esse é mais um livro que eu leio por indicação (da Paula que escreve no Caçando ouriços e que ama tanto o livro que batizou o blog assim!) e que vai direto para minha lista de favoritos da vida. O dilema da minha leitura foi querer saber o desfecho e se Paloma se suicidaria, mas, ao mesmo tempo, não querer que a estória chegasse ao fim, pois eu previa um final pesado e triste, afinal, toda a narrativa se encaminhava para isso. Mas eis que ao fim, quando tudo estava quase um mar de rosas... bom, não revelarei o que acontece, só digo que terminei a leitura aos prantos e que o fechamento da estória me deixou completamente surpresa e desidratada. Se você gosta de drama e se gosta de livros que são reflexivos, filosóficos e que utilizam metaliteratura, que é quando a literatura fala da própria literatura como elemento da narrativa, ou seja, livros que falam sobre livros ❤, esse é o livro certo para você! Se resolver embarcar nessa leitura linda, prepare os post-its, afinal são muitas citações memoráveis, e uma caixa de lencinhos, porque vai precisar! Posso dizer que o livro tem uma temática pesada, e que muitas vezes, enquanto lia, me senti triste e melancólica, mas, mesmo assim, é desse tipo de livro que gosto. Gosto de livros que cutucam a ferida, livros que me fazem pensar e que me tiram da zona de conforto. E A elegância do ouriço é tudo isso e muito mais; é poético, é belo, é emocionante, faz rir e chorar, é irônico e também provocador. É meu mais novo livro favorito! Depois de tudo isso eu preciso dizer que eu recomendo esse livro?
BARBERY, Muriel. A elegância do ouriço. (Tradução de Rosa Freire d´Aguiar). São Paulo: Companhia das Letras, 2008. 350 p.
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http://leiturasegatices.blogspot.com.br/