Lisa 04/12/2022
Canções de solidão
O Murakami tem como parte de sua assinatura literária o enfoque em momentos triviais do dia, o corriqueiro da rotina, emoldurando cenas de cenários e pensamentos simples que logo se tornam reflexões profundas. Há uma lentidão natural no passar de suas histórias, temos que aguardar tal como o tempo do esperar de uma gota que se forma e resiste em cair, que embora leve segundos, nos soa infinito. Em nenhum outro livro, essa marca é tão tangível. As páginas passam e a gota não cai, a impaciência vai tomando forma, é preciso respirar, vc quer sacodir para que ela caia de uma vez e te livre da agonia. E então, simplesmente, você aceita a inevitabilidade, vai cair quando tiver que cair, enquanto isso há muito mais para se ver, olhe em volta.
Esse é também o livro que li do autor que mais possui camadas e profundidade. A história além de ir se revelando para o leitor a sua própria velocidade, vai lentamente te quebrando, te mostrando suas dores, se abrindo em carne vive, se despudorando ao nossos sentidos. E tal como a água molda a costa, também somos. Norwegian Wood dói, aquela dor solitária, fria, injusta. Seus personagens tendem a estarem em conflitos, deprimidos e com perdas, mas em nenhuma história isso se faz tão presente e seriamente como nesta.
Murakami fala aqui pela primeira vez que vejo, diretamente sobre saúde mental, sobre suicídios, sim, no plural. Eu falei, esse livro "dói dolorido". Sobre como a morte acompanha e está sempre presente, seja morrendo ou deixando de o fazê-lo. Nos fala sobre as fugas que criamos para continuar levantando todo dia, as lutas que travamos para melhorar e as derrotas que temos com isso.
Embalados pelas músicas dos Beatles, acompanhamos Kizuki, Naoko, Toru, Midori, Reiko e as canções de suas vidas, algumas terminadas antes da hora, outras para terminar, algumas seguindo a serem tocadas. No fim "os mortos vão continuar mortos, mas nós precisamos levar nossas vidas adiante." E no entanto, Toru nos diz "um dia você arrastou parte de mim para o mundo dos mortos. E agora X puxou outra parte de mim para esse mundo. Às vezes eu me sinto transformado no zelador de um museu. Um museu sem visitantes, totalmente vazio, do qual eu cuido exclusivamente para mim." Eu falei, Norwegian Wood dói remansoso e solitário. Dói here, there and everywhere, e nos canta look at all the lonely people, certo Paul?
Toru é um Nowhere man, Naoko e Midori são nossas lost little girl norwegian wood. E esperamos apenas que após tanta long and winding roads o final seja Here comes the sun, George.