feme0 13/04/2023
Maquiavel no espaço
Um livro profundamente focado na "atemporalidade" da política, Fundação consegue colocar em cheque outros livros de ficção científica ao dar importância especial para as relações complicadas entre diferentes grupos políticos e "planetas", que é uma alegoria bem óbvia para países, assim Isaac Asimov nos traz um relato bem fidedigno do Imperialismo da Fundação, desde seus momentos iniciais, até o presente momento.
É meio contraintuitivo colocar a Fundação como a força imperialista sendo que a grande rivalidade da obra é justamente deles contra o Império, representado por ser o centro populacional da Galáxia, repleto de desigualdade social e corrupção, e o grupo de Hari Seldon, pertencendo a classe dos cientistas.
Por mais presente que pareça, o psicólogo não tem tanto tempo quanto parece, sendo relegado a ele um capítulo e algumas falas e intervenções deste em capítulos futuros, mas eu acho o personagem dele muito interessante, junto com todo o conceito de psico-história. Colocar o futuro e milhões e milhões de possibilidades em um algoritmo seria algo quase impossível, mas colocando que hipoteticamente no futuro haveria um hiper computador capaz de fazer isso coloca apenas em questão a grande pergunta de: "Caso haja uma linha de ação que leve a um futuro melhor, a própria informação desta não poderia perturbar o futuro?". E eu não entendo muito de ou tô com vontade de entrar em teorias de universidades paralelas, mas o ponto é que a resposta é que, navegar entre essas linhas temporais é algo tão meticuloso que até um passo em falso pode aumentar as possibilidades de um futuro pior, inclusive podendo citar o Efeito Borboleta que este poderia causar, logo qual seria o papel da única pessoa com esse conhecimento, e poderíamos confiar nela sabendo que não falar a verdade pode ser parte de seu plano?
Hari Seldon consegue capturar esse paradoxo perfeitamente, se valendo tanto da decepção quanto da ambiguidade na sua luta por 7 mil anos a menos de sofrimento da humanidade, através do conhecimento e da ciência.
De certa forma eu mesma enquanto lia me perguntava se o plano de Seldon estava indo certo, depois de terminarem suas visitas póstumas através do Cofre do Tempo, eu não sentia a mesma confiança que estava dando tudo certo, que talvez o universo estivesse progredindo para os 1,16% de chance de tudo dar errado, de certa forma eu vejo tanto os primeiros capítulos, através da visão de um jovem pesquisador, até os outros capítulos como Watson tentando decifrar a mente de Sherlock, sendo que dessa vez as consequências são muito mais catastróficas.
Por mais que o ponto da Fundação ser uma reserva científica e, em tese, que somente funcionaria para o avanço e bem da humanidade, como algo ruim para o governo do Império mostra um progressismo bem grande de Asimov mesmo na época que o livro foi lançado.
O reacionarismo do Império, em vista de avanços científicos da Fundação, os vendo como uma afronta para a soberania do Império, é bem emblemático do clima dos anos 50 nos Estados Unidos, quando o livro foi lançado, o fim da Segunda Guerra, o Começo da Guerra Fria,o Macarthismo e o Terror Vermelho que assolariam o que estariam por vir, um medo da mudança e uma tentativa de permanecer com a "tradição" o máximo possível.
Porém uma grande importante do livro é que vitórias políticas, como a de Terminus no começo, não duram para sempre, podendo depois ser facilmente desfeitas por descuidos da parte dominante, seja por reinos que vão desacreditando no governo vigente, insatisfação popular, ou até mesmo um antigo inimigo se fortalecendo e criando rebeldes aos poucos,
O poder nas mãos da Fundação é sempre escorregadio, o que dá tempo a essas "Crises Seldon" acontecerem por conta do longo espaço de tempo que se dá a trama, e assim reinos conquistados e destruídos tem tempo de se reconstruir na periferia, um golpe de estado muito violento por parte da Fundação diverge a opinião pública desse, e esse desenvolvimento orgânico e sociológico da população de um governo imperialista é o que realmente brilha pra mim.
Os governos que conseguem se manter no poder pelo mais tempo não são aqueles que o tomam com violência ou com tirania, mas sim aqueles que conseguem controlar a opinião pública o máximo possível, diminuindo o risco de revoltas e conflitos internos. E a progressão desse controle estatal segue inclusive uma base histórica, primeiro se baseando em uma das formas mais clássicas: A religião. Assim como na idade média, ao criar uma religião que santifica o governador, existe necessariamente uma fé inegável nele, o vendo como santo, e uma possibilidade de comunhão e comunidade entre os súditos que os permite terem propósito, mas o mais interessante é a base dessa religião, que é a própria ciência, que consegue colocar sua fé e lógica em cheque.
Assim, Fundação de Asimov consegue trazer uma narrativa cheia de intriga política de forma coesa que, apesar da atmosfera fantástica de ficção científica, não necessita muita suspensão de descrença por conta da forma como consegue representar diálogos e situações fidedignas até hoje, ainda assim trazendo uma leitura cativante.
P.S: Eu não gostei muito de como ficaram divididos os capítulos, eu sei que era pra ser como se fosse o próprio livro da Fundação mas eu acho que quebrou muito o ritmo da leitura