Carla.Parreira 01/02/2024
O Demônio do Meio-Dia (Andrew Solomon). Melhores trechos: "...Enquanto eu escrevia este livro, perguntavam-me frequentemente se a escrita era catártica. Não era. Minha experiência está de acordo com a de outros que escreveram sobre esse campo. Escrever sobre depressão é doloroso, triste, solitário e estressante. Contudo, a ideia de que eu estava fazendo algo que poderia ser útil a outros era gratificante; e o aumento de conhecimento me tem sido útil. Espero que fique claro que o prazer primordial deste livro é mais de comunicação literária do que libertação terapêutica da expressão pessoal... Quando se está deprimido, o passado e o futuro são absorvidos inteiramente pelo momento presente, como no mundo de uma criança de três anos. Você não consegue se lembrar de um tempo em que se sentia melhor, pelo menos não claramente, e com certeza não consegue imaginar um futuro em que se sinta melhor. Estar perturbado, mesmo profundamente perturbado, é uma experiência temporal, enquanto a depressão é atemporal. Colapsos o deixam sem qualquer ponto de vista. Muita coisa acontece durante um episódio depressivo. Há mudanças na função do neurotransmissor, mudanças na função sináptica, aumento ou decréscimo da excitabilidade entre neurônios, alterações de expressão de gene, hipometabolismo (geralmente) ou hipermetabolismo no córtex frontal, níveis elevados de hormônio liberado pela tiroide (TRH), perturbação da função na amídala e possivelmente no hipotálamo (áreas dentro do cérebro), níveis alterados de melatonina (hormônio que a glândula pineal fabrica a partir da serotonina), aumento da prolactina (o lactato aumentado em indivíduos predispostos à ansiedade trará ataques de pânico), diminuição de temperatura corporal durante o período de 24 horas, distorção da secreção de cortisol durante o período de 24 horas, perturbação do circuito que liga o tálamo, os gânglios basais e os lobos frontais (mais uma vez, centros no cérebro), aumento de fluxo sanguíneo para o lobo frontal do hemisfério dominante, diminuição de fluxo sanguíneo para o lobo occipital (que controla a visão), diminuição de secreções gástricas. É difícil saber o que deduzir de todos esses fenômenos... Se uma pessoa é submetida a estresse demais e a um nível excessivamente elevado de cortisol por tempo demais, começa a destruir os neurônios que deviam regular o circuito de feedback e a desligar o nível de cortisol depois de o estresse ter passado. Em última análise, isso resulta em lesões no hipocampo e na amídala, uma perda de tecido da rede neuronal. Quanto mais tempo se permanece deprimido, maior a probabilidade de ocorrer uma lesão significativa, o que pode levar à neuropatia periférica: sua visão começa a desaparecer e várias outras coisas podem dar errado. Isso reflete a necessidade de tratar a depressão não só quando ela ocorre, mas também impedir sua recorrência... O quietismo pode ser heresia, mas essa ideia é um dos dogmas centrais de minha fé. Você não tem que entender o que acontece. Eu costumava pensar que tínhamos que fazer algo da vida embora ela fosse desprovida de significado. Ela não é sem sentido. A depressão o faz acreditar em certas coisas: que você não tem valor e devia estar morto. Como se pode reagir a isso senão com crenças alternativas?... Meu guia espiritual me disse recentemente que o Espírito Santo usa meu inconsciente o tempo todo! Na terapia aprendi a levantar as barreiras ao redor de meu ego; na igreja, aprendi a deixá-las cair e me unir ao universo, ou pelo menos a uma parte do corpo de Cristo... Perguntei a meu sacerdote: ‘Qual é o objetivo desse sofrimento?’. E ele disse: ‘Detesto frases que contenham a palavra sofrimento junto com a palavra objetivo. Sofrimento é só sofrimento. Mas acredito que Deus está com você durante este processo, embora eu duvide que você consiga sequer senti-lo’... A luz estimula o hipotálamo, onde estão baseados muitos sistemas — do sono, da fome, da temperatura, do impulso sexual — que a depressão desregula. A luz também influencia a síntese da serotonina na retina. Um dia ensolarado oferece cerca de trezentas vezes mais luz que o interior de uma casa... Acredito que uma massagem prolongada, que desperta o corpo que a depressão separou da mente, pode ser uma parte útil da terapia... Não é apenas o interesse por sexo que se vai, há também uma perturbação física: não consigo sequer ficar excitada! Talvez eu tenha 2% de interesse durante a ovulação, e esse é o ponto alto do mês. Mas está tudo muito melhor. Meu marido é tão doce. Ele diz: ‘Não casei com você pelo sexo, isso não tem importância’. Acho que está bastante aliviado por eu não ser mais o monstro que fui logo depois do casamento. Nossa vida se estabilizou. Posso ver em meu marido as qualidades que eu desejava — a segurança emocional voltou. A sensação de aconchego voltou. Sou muito carente, e ele está preenchendo essas necessidades, e adora ficar abraçadinho também. Ele me fez sentir que sou uma boa pessoa. E me sinto feliz de novo por estar com ele. Ele me ama e isso agora é um grande tesouro. Pelo menos 80% de nosso relacionamento é maravilhoso... As pessoas que vivem bem apesar da depressão fazem três coisas. Primeiro, procuram compreender o que está acontecendo. Depois, aceitam que é uma situação permanente. E em seguida, têm que superar sua experiência de algum modo, aprender com ela e se colocar no mundo das pessoas reais. Uma vez que você já compreendeu e já superou, percebe que pode interagir com o mundo, viver sua vida e prosseguir em seu emprego. Você para de se sentir tão aleijada e tem uma enorme sensação de vitória! O deprimido que consegue deixar de olhar para o próprio umbigo não é tão insuportável quanto o que não consegue... Em parte, o mais horrendo da depressão, e especialmente da ansiedade e do pânico, é que eles não envolvem uma escolha: são sensações que lhe ocorrem sem razão alguma... O suicídio é a rebelião da mente contra si mesma, uma dupla desilusão de uma complexidade que a mente perfeitamente deprimida não consegue abarcar. É um ato voluntário para libertar-se de si mesmo. O tom menor da depressão dificilmente poderia imaginar o suicídio; é preciso o brilhantismo do autorreconhecimento para destruir o objeto desse reconhecimento. Por mais equivocado que seja o impulso, pelo menos é um impulso. Se não há outro conforto num suicídio não evitado, pelo menos há esse pensamento persistente de que ele foi mais um ato de coragem deslocada e força infeliz do que um ato de total fraqueza ou de covardia... Embora a melancolia estivesse em voga no final do século XVI, o suicídio era proibido por lei e pela Igreja, e a proibição era fortalecida por sanções econômicas. Se um homem na Inglaterra daquela época cometesse suicídio, sua família teria que desistir de todos os seus bens móveis, inclusive arados, ancinhos, mercadoria e outros pertences necessários para qualquer tipo de trabalho... A ansiedade e a depressão se correlacionam do mesmo modo que medo e sofrimento. Tememos um mal futuro; sofremos por um mal que já ocorreu. Assim, a ansiedade é desalento sobre o que acontecerá, e a melancolia é desalento sobre o que aconteceu. A ansiedade ocorre quando você quer algo que sabe que não devia ter e por isso não tenta obter, enquanto a depressão ocorre se você quer algo, tenta obtê-lo e falha... Embora a depressão seja um fardo terrível, é ainda mais traumática para aqueles com várias doenças físicas e psicológicas. A maioria dos indigentes deprimidos sofre de sintomas físicos e é propensa a ataques em seus sistemas imunológicos. Se é difícil fazer alguém acreditar que sua depressão e sua vida infeliz são coisas distintas, é mais difícil ainda convencer alguém com uma doença mortal de que seu desalento pode ser tratado. De fato, a aflição da dor, a aflição perante as difíceis circunstâncias da vida e uma aflição sem objeto podem ser separadas, e a melhora numa dessas áreas, por sua vez, melhora as outras... Não temos, neste momento, um sistema claro para classificar os diferentes tipos de depressão e suas diferentes implicações. É pouco provável que ela tenha uma explicação única. Se ocorre por inúmeras razões, precisaremos usar sistemas múltiplos para examiná-la. Há um certo descuido, próprio dos modos correntes de classificação, que pega uma pitada de pensamento psicanalítico, um pouquinho de biologia e algumas circunstâncias externas e os mistura numa salada maluca. É preciso desemaranhar depressão, sofrimento, personalidade e doença antes de poder realmente entender os estados mentais deprimidos... É também possível que a própria estrutura da consciência abra um caminho para a depressão. Os evolucionistas contemporâneos trabalham com a ideia do cérebro trino (ou de três camadas). A parte mais interna do cérebro, a reptiliana, que é semelhante à que encontramos em animais inferiores, é a sede do instinto. A camada do meio, a límbica, que existe em animais mais avançados, é a sede da emoção. A camada de cima, encontrada apenas em mamíferos superiores como primatas e humanos, é a cognitiva e está ligada ao raciocínio, às formas avançadas de pensamento e à linguagem. A maioria dos atos humanos envolve as três camadas do cérebro. A depressão é uma preocupação distintamente humana. É o resultado de disjunções de processamento nos três níveis, é a consequência inevitável de se ter instinto, emoção e cognição, todos funcionando simultaneamente em todos os momentos. A tríade do cérebro às vezes falha em coordenar sua resposta à adversidade social... Os depressivos veem o mundo com clareza demais, perderam a vantagem seletiva da cegueira. A percepção e o pensamento humanos normais são marcados não pela precisão, mas por ilusões positivas autoenaltecedoras com respeito ao eu, ao mundo e ao futuro. Além disso, essas ilusões parecem ser realmente adaptativas e promovem mais do que minam a saúde mental. Os levemente deprimidos parecem ter visões mais precisas de si mesmos, do mundo e do futuro do que as pessoas normais; e nitidamente não têm as ilusões que promovem a saúde mental das pessoas normais e as protege das contrariedades... Pessoas que passaram por uma depressão e estão estabilizadas costumam ter uma consciência aguda da alegria da existência cotidiana. Parecem capazes de uma espécie de êxtase imediato e de uma apreciação intensa por tudo que é bom em suas vidas. Em primeiro lugar, se são pessoas decentes, podem muito bem se tornar extraordinariamente generosas. O mesmo pode ser dito de sobreviventes de outras doenças, mas mesmo alguém que emergiu miraculosamente do pior câncer não tem a 'meta-alegria' — a alegria de poder experimentar e dar alegria — que enriquece a vida dos que passaram por uma depressão severa. Essa ideia está elaborada no livro Productive and Unproductive Depression [A depressão produtiva e improdutiva], de Emmy Gut, que defende que a longa pausa forçada pela depressão e a ruminação durante essa pausa muitas vezes fazem com que as pessoas mudem suas vidas de modos úteis, especialmente depois de uma perda... Muitos me perguntam o que fazer para ajudar amigos e parentes deprimidos, e minha resposta é simples: procure mitigar o isolamento deles. Faça-o através de xícaras de chá ou com longas conversas, sentando-se num aposento próximo e ficando em silêncio ou de qualquer outro modo que se ajuste às circunstâncias, mas façao. E faça-o com boa vontade... O ato de amar é estar lá, simplesmente prestando atenção, incondicionalmente. Se a pessoa está sofrendo naquele instante, é isso o que está fazendo, ponto. Você está participando daquilo — não tentando loucamente fazer algo a respeito... Nenhum de nós teria escolhido a depressão dentre as qualidades que o céu nos oferece, mas quando ela nos é dada, aqueles de nós que sobreviveram descobrem algo nela. É isso que somos... Você não derrota a depressão. Aprende a administrá-la e faz concessões a ela..."