jota 18/05/2022BOM: bêbados, vagabundos e perdedores; gente sem rumo e sem futuro, perdidos no tempo e no espaçoLido entre 07 e 17/05/2022. Avaliação da leitura: 3,7/5,0
Não tinha lido nada sobre esse livro, lançado em 1973, depois me informei melhor. O que me atraiu nele foi basicamente seu título, South of no North, algo como sul sem norte, sendo que norte aqui significa muito mais um ponto a alcançar, um rumo a tomar, do que um ponto geográfico real. Um lugar ao qual os personagens de Charles Bukowski (1920-1994) dificilmente chegarão ou se voltarão para ele tentando alcançá-lo. Também apreciei o título brasileiro, que dá a mesma ideia, de ausência de rumo, de norte, portanto, ir vivendo, não levando uma vida, mas deixando a vida os levar...
Bukowski, "velho safado", como ele mesmo se chamou num de seus livros, também tinha fama de bêbado e masturbador contumaz e foi um dos últimos representantes da geração beatnik. Ou ainda, como querem alguns críticos, o último escritor maldito da literatura norte-americana, numa lista em que se destacariam sobretudo Jack Kerouac, Allen Ginsberg, William S. Burroughs, representantes máximos dessa geração. Bukowski, no entanto, nunca se associou a eles, por isso é considerado um beat honorário, conforme destaca a editora L&PM nesta edição, que reúne vários contos publicados em revistas e jornais nas décadas de 1960, 1970.
São relatos recheados de humor (negro, muitas vezes) e ironia, mas também de palavrões cabeludos, cenas de sexo e de crime abjetas e outras, escatológicas mesmo, que podem provocar repulsa no leitor. Há quem chame a literatura de Bukowski de “realismo sujo”, nos moldes do que fez depois o cubano de geração mais recente, Pedro Juán Gutierrez, com seu Trilogia Suja de Havana, por exemplo. Porém, como Bukowski introduzia criaturas estranhas e ou situações irreais em suas narrativas -- como os homúnculos de Nenhum Caminho Para o Paraíso, que vivem numa gaiola, dois homens e duas mulheres com cerca de dez centímetros de altura – também se diz que ele praticava o “hiper-realismo sujo”.
Nas 27 histórias de Ao Sul de Lugar Nenhum, que tem como subtítulo Histórias da Vida Subterrânea, encontramos de tudo. Personagens sem rumo (repito: estar ao sul de lugar nenhum é estar sem um norte para alcançar), perdedores sem futuro, homens e mulheres bêbados de cair no chão, gente suja, maltrapilha, pervertida, até mesmo capaz de matar. As mulheres geralmente são tratadas como putas ou cadelas, são receptáculos para o esperma de machos brutos, e por aí vai. Quase tudo é obsceno, precário, barra pesada, as bebedeiras são homéricas, os atos sexuais são abundantes, nunca praticados com amor, apenas para saciar a luxúria dos corpos. As coisas se passam quase sempre em ambientes sórdidos, sujos, malcheirosos, podres...
Dentre os personagens destaca-se o alter ego de Bukowski, o escritor Henry Chinaski, que aparece em várias histórias, e numa delas até luta boxe e apanha de Ernest Hemingway, como ocorre em “Classe”. Mas em sua imensa maioria os protagonistas são seres marginalizados pela sociedade ou por si próprios, bêbados, alienados, solitários e vagabundos, invariavelmente viciados em bebida e ou sexo, perdedores enfim, daí a "vida subterrânea" do subtítulo. Mas alguns deles ainda têm esperanças, anseios e até mesmo sonhos, ainda que esses sonhos não se enquadrem nos padrões normalmente aceitos pela sociedade. Num dos textos, “Amor por $17,50”, um homem faz sexo com um desses manequins de loja. Não é uma história apenas sobre perversão, também é sobre solidão...
Outros títulos dão uma ideia do que o leitor vai encontrar nessas páginas, veja este: “Pare de Olhar para as Minhas Tetas, Senhor”, ou ainda este: “O Diabo Estava Cheio de Tesão”, e a coisa segue nessa toada. Bem diferente daquilo que Bukowski registrou em seu primeiro romance, o único livro dele que li antes deste: Cartas na Rua (1971). E isso foi há bastante tempo, na adolescência. Depois nunca mais li nada do que escreveu, talvez algum conto nalguma coletânea de vários autores, não me lembro, mas desconheço a razão disso.
Cartas na Rua, por ser uma narrativa não muito longa, também é tido como uma novela. Trazia até trechos bucólicos, e como dizia a sinopse da editora Brasiliense, tratava da rotina de um carteiro "(...) beberrão simpático, cheio de ceticismo, nostalgia e humor [que] passeia pela monotonia burocrática dos correios e nos mostra a América com a visão de um antiguru."
Nos correios Bukwoski trabalhou durante 14 anos, pois não conseguiria sobreviver apenas publicando contos em diversas revistas. Eu poderia reler Cartas na Rua agora porque não me lembro de quase nada da obra. Mas por ora vou ficar com as lembranças dos contos de Ao Sul de Lugar Nenhum. A maioria delas pouco agradável, assim como a vida que muitos levam, gente de verdade...