Petrus 03/01/2016
Anjos da Morte e o mundo fantástico de Spohr
Como costumo dizer, não são todos que conseguem escrever uma obra que proporcione um gostinho de quero mais. É uma habilidade rara, a qual traz bons frutos. As maiores séries de livros da atualidade demonstram essa característica, rendendo altas leituras e longas esperas por novos livros. Refiro-me a obras do meu gosto pessoal, como Harry Potter, Crônicas do Gelo e Fogo, Fronteiras do Universo e a Saga do Anel de Tolkien. Agora, dentre esses ainda há mais um que eu considero em especial, cujo último livro lançado irei tratar nesse texto: a série “Filhos do Éden” de Eduardo Spohr.
Faz quase um ano que eu escrevi sobre o primeiro livro da saga Filhos do Éden e, agora, aqui estou eu escrevendo sobre o segundo livro da série intitulado “Anjos da Morte”. Eu descrevi anteriormente o escritor Eduardo Spohr como um vencedor, apresentando uma boa habilidade em se utilizar de fatos bíblicos e, por consequência, de fatos históricos para basear os acontecimentos de suas obras. Em “Anjos da Morte”, Spohr simplesmente pegou o que eu disse e o colocou em pedestal ainda mais alto. Ele simplesmente se utilizou dos seus mais altos conhecimentos históricos e testemunhos seus e os colocou em drama, criando uma nova face do seu universo literário que eu não tinha lido até então. Não bastava a minha surpresa ao me deparar com um universo de anjos tão bem estruturado, mas também com um universo que apresenta o mundo terreno de forma tão singular. Chamar o nosso mundo de Haled nunca foi tão natural depois dessa leitura.
Ao ler os primeiros capítulos percebe-se que Eduardo Spohr se afastou do cunho fantástico e se aproximou a algo mais – sem ter outras palavras – cinematográfico. Os elementos angélicos continuam lá como a base da jornada do herói, mas os problemas e o agir se tornam menos fantásticos e mais humanos e as situações mais parecidas com cenas que se veem em cinemas. Não é algo negativo, afinal. A inspiração cinematográfica que obviamente houve no processo criativo desse livro se tornou mais forte do que presente em outras obras do escritor – fato que se comprova com o gosto pessoal que o protagonista, Denyel, tem por filmes de ação, aventura e etc. Citações a películas com heróis protagonizados por Clint Eastwood ou aos famigerados filmes do agente secreto James Bond tornam ainda maior a imersão no mundo dos cinemas. Percebe-se que essa escolha não foi por acaso, mas como meio de formar a índole heroica do personagem Denyel. Não vejo críticas negativas a isso, pois, essas referências me arrancaram aplausos e risadas no último capítulo de luta do protagonista, coisa que raramente faço ao ler. Sinceramente, tentar achar as referências, entendê-las e ver o personagem agir conforme um herói de filmes me divertiu bastante.
As experiências de vida do escritor estão mais presentes nessa obra, pois, são notáveis os diversos gostos e preferências culturais que os personagens têm – ou melhor dizendo, que o Denyel tem – que só poderiam ser introduzidas de tal forma se o autor tivesse os mesmos gostos. Diferente do livro anterior da série “Filhos do Éden”, a trama se foca em um único personagem. A maioria dos capítulos mostram o passado do querubim Denyel como um anjo que viu os principais conflitos do século XX até a queda do muro de Berlim. Pela idade do autor – não o chamando de velho, por favor – faz perceber que ele presenciou as consequências da Guerra do Vietnã e o fim da União Soviética. O seu testemunho tem um papel importante nessas partes, pois, há uma crítica pessoal nas entrelinhas. O uso dos fatos históricos no processo criativo parece ter fluído de forma mais prazerosa pelo escritor, pois, os mínimos detalhes refletem muito bem a mente crítica de Spohr e a forma descrita em cada página parece o mais condizente com o real. Nos capítulos referentes a Segunda Guerra Mundial, houve um embasamento maior em filmes, tal como “O resgate do soldado Ryan”, mas não nega a provável utilização de outras fontes mais científicas. Logo, percebe-se que a ânsia em livros anteriores de escrever sobre esses conflitos humanos foi saciada em “Anjos da Morte”.
A questão do elemento humano em anjos continua desde “Herdeiros de Atlântida”, fazendo um contraponto com o primeiro livro do universo, “A Batalha do Apocalipse”. Elogio bastante a representação humana no primeiro livro da série “Filhos do Éden”, mas bato palmas para o segundo livro. Nada como a abordagem das piores características do homem em contraponto com as melhores dentro do coração de um personagem que tem sua natureza nada de humano – a fórmula perfeita para um conflito interno. A construção de caráter de Denyel é interessante de se acompanhar, pois, mostra de fato como é um anjo que começa a se vê com características humanas. Essa situação pode até ser um fator que prende a pessoa a leitura. Os querubins de Spohr não se comparam a nada aos querubins renascentistas que se mostram como bebês alados e pelados, e os anjos e arcanjos, no geral, não se mostram como os belos e bondosos seres divinos que somos doutrinados a imaginar. É um mundo novo que meche com algo que já estava fixo na imaginação cristã.
Já falei muito de Denyel, o anjo que é o carro chefe desse livro. Contudo, devo me lembrar de que a série não roda ao seu redor, mas sim na jornada da alada Kaira. Há diversos capítulos que mostra o que está acontecendo com ela no presente, mas são minorias no total da obra. Praticamente, a trama dela é colocada em segundo plano, tendo maior destaque o querubim já mencionado. Percebe-se que tudo isso foi uma desculpa do autor de saciar a sua vontade de escrever sobre o passado do querubim Denyel e, por consequência e ainda mais interessante para Spohr, as guerras do século XX.
Os capítulos de Kaira parecem ser um paliativo para que ela não seja esquecida nessa obra. Ao ler o livro, percebe-se uma vontade enorme de saber o desenrolar do passado do querubim, mas o que acontece com a anja não interessa tanto. Não é por acaso, pois, os capítulos de Kaira, por uma longa sequência, parecem uma enrolada do autor, apenas dando uma engrenada e presenteando com uma sensação de quero mais nos últimos acontecimentos do livro. É perceptível que houve a preocupação de que o leitor se atenta a Denyel, mas mesmo assim é frustrante a ver tantos capítulos perdidos. Talvez, dentro dessa sequência de capítulos falhos na trama da alada, a única coisa que tenha valido a pena foi se deparar com o demônio assistindo Vila Sésamo.
Em contraponto, os capítulos de Denyel são tensos e bem sequenciados do começo ao final. Personagens humanos, como Craig, são introduzidos com maestria, criando capítulos únicos de significado e ação. Os capítulos do Vietnã representam uma superação de Spohr em questão de sequência de explosões, tiros e correrias. Por natureza, os alados rejeitam armas de fogo, mas, ao se fixar em Denyel que ignora isso, foi possível ter um tiroteio frenético em um livro de fantasia. Foi uma exceção no universo muito bem vindo.
Uma experiência literária com pitadas de cinema - é praticamente isso que “Anjos da Morte” se transforma. A inspiração cinematográfica é presente em suas outras obras, logo, nesse livro o uso de elementos de filmes é uma superação e não uma desculpa esfarrapada. É uma forma de prender os leitores ávidos por ação até o final e garantir um mercado para o próximo livro da série. Houve um afastamento do sentimento de compaixão pelos anjos bons – bastante presente em “Herdeiros de Atlântida” e passa a ter um maior sentimento de admiração pelos atos heroicos dos mesmos. Talvez, é nesse elemento de heroísmo que “Anjos da Morte” se aproxima do primeiro livro de Eduardo Spohr, “A Batalha do Apocalipse”.
Originalmente publicado no dia 17/07/2013
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