Vilto 11/06/2013
O sombrio e dinâmico Anjos da Morte, de Eduardo Spohr – Vilto Reis
Depois de pouco mais de um ano esperando pela continuação da série Filhos do Éden, finalmente chegou em minhas mãos o livro dois, Anjos da Morte. Nas palavras do autor, o mais sombrio das série.
Mas do que se trata esta série?
Bom, depois do estrondoso sucesso de A Batalha do Apocalipse seria natural que o autor escrevesse outras obras no mesmo universo, até por que este se apresenta amplo em possibilidades. Ele abrange toda a existência humana, da criação ao apocalipse; as castas angélicas e suas intrigas; além das divindades ancestrais, criadas a partir da devoção dos homens. Tudo isso em cenários que vão desde a lendária Atlântida até os dias de hoje, passando por dimensões e planos diferentes. Grande? Não, imenso. Contextualizado o universo, vamos ao livro em questão.
Focado em contar a história do anjo exilado, Denyel, a obra não deixa de tratar de personagens do primeiro livro, como Kaira e Urakin. A solução foi utilizar dois planos narrativos, intercalados. No primeiro, o leitor acompanha a trajetória de Denyel a partir da Segunda Guerra Mundial, no Dia D. Como integrante do esquadrão denominado “Anjos da Morte”, o querubim deveria se alistar num exército humano, participar das batalhas e prestar relatórios a Sólon, líder do coro de anjos da casta dos malakins, responsáveis pela operação. Apesar de suas habilidades sobre-humanas, Denyel não pode, por exemplo, decidir uma guerra; ele deve servir como um “soldado na média”; mas no contexto do livro, torna-se evidente que um querubim, casta de anjos guerreiros, jamais se controlará inteiramente perante uma batalha, o que atribui muitas cenas de conflito e heroísmo em algumas passagens do livro. A história acompanha Denyel da Segunda Guerra a Guerra do Vietnam; passando então pelos anos da Guerra Fria, até a queda do muro de Berlim, acompanhando assim a trajetória deste personagem. Na segunda linha narrativa, a história segue Kaira, Urakin e Ismael, um novo personagem apresentado pelo autor; ele é um dos poucos hashmalins – responsáveis por julgar os humanos na Gehenna – que abraçaram as facções rebeldes (do Arcanjo Gabriel). Se a primeira linha é um passeio pelo século XX, a outra é uma viagem por vários pontos do globo nos dias atuais; afinal, os três anjos estão numa missão que só é revelada ao final do livro. Mas suspense à parte, o leitor também pode conhecer mais a fundo Kaira, a Ishim protagonista do primeiro livro. Seus dois parceiros de missão possibilitam ótimos diálogos, justamente com o propósito já mencionado. Kaira por ter tido uma experiência de ligação com uma alma humana possui uma visão diferente do universo; enquanto Ismael vê as coisas de forma pragmática, o ponto de vista de um hashmalin; contrastando com a percepção de mundo de Urakin, bastante racional, um típico querubim. Na jornada do grupo, as surpresas que enfrentam proporcionam ótimas cenas de batalha, habilidade descritiva cada vez mais consistente na obra de Spohr.
Penso que algumas temáticas circundam o livro, por exemplo, a questão da corrupção de Denyel, ou quem ele vai se tornando. A princípio conta com a justificativa de ser apenas um peão dentro do jogo, mas até que ponto ele não poderia reagir, enfrentar o que é submetido? É uma pergunta que a história responde. Outra, muito forte, é a representatividade da guerra; e confesso que foi algo que me tocou. Nunca havia parado para pensar, de forma mais direta, como os seres humanos se comportam nestas situações. Ao vestir a pele do anjo, lendo a trajetória de Denyel, o leitor mergulha nesta possibilidade de percepção. O que seria estar num acampamento militar e ser atacado? E perder seus amigos? O conflito é potencializado pela, quase, imortalidade do anjo, que vê seus companheiros fenecendo sem poder fazer nada; condenado a viver com a perda constante.
Dizem que toda segunda parte de série, seja na literatura ou no cinema, é ruim; mas Anjos da Morte é exceção à regra. Se o livro possui um tom sombrio por lidar com tantas perdas, ainda assim conta com um ritmo alucinante, um dinamismo que cada vez mais se torna característica do autor.
A única crueldade com o leitor é que no final da obra há o prólogo do livro três, ainda a ser lançado, Paraíso Perdido. Bom seria se fosse possível emendar a leitura com o próximo volume. Mas enquanto não sai, deixo vocês com um trechinho de Anjos da Morte:
“Certos sentimento pertencem ao coração, não à mente, estão lacrados à chave,escondidos em um canto obscuro do peito, aonde as vozes não chegam, onde os olhos não brilham, onde os lábios não tocam”.