Ana Luiza 21/10/2013
Ficção científica de primeira, com uma boa dose de realidade
“- Você é feliz, Bruno?
A pergunta quase o fez engasgar. Não esperava nada tão profundo.
(...)
- Eu acho que você não é feliz – ela despejou entre uma mordida e outra do sanduíche.” (Pág. 118)
Bruno leva uma boa vida em Salvador, mas não é realmente feliz. Ele tem bons amigos, uma mãe carinhosa sempre por perto e uma boa condição financeira, mas, no fundo, falta algo. Com a chegada do Natal, a sensação de vazio piora, pois a data o lembra da morte de seu pai, um senador, com quem não tivera um relacionamento tranquilo, mas que o amara profundamente. Entretanto, tudo muda quando ele conhece uma bela mulher durante uma corrida. Eles começam a sair juntos, mas logo fica claro que envolvimento amoroso não é exatamente o que ela quer.
“Nenhum dos dois tinha real ideia do quanto representariam um para o outro. Seus destinos foram atados naquela noite e não se separariam mais.” (Pág. 176)
Após alguns testes e muita desconfiança, Adrianna revela a Bruno a verdade: ela é de outra dimensão, de um planeta similar ao nosso, só que praticamente coberto de água e com pouca extensão de terra. Aqua, como é chamado, está há anos-luz a frente da terra social e tecnologicamente, mas a beira da extinção. Determinados a achar outro planeta que possam habitar, os cientistas de Aqua acabaram descobrindo a existência de outras dimensões e a Terra. Entretanto, ao ver que já existe uma civilização aqui com seus próprios problemas e que ela já começa a enfrentar a escassez de recursos, foi decidido que eles não viriam para cá e que não mais interfeririam na Terra.
“- No final das contas, vai ser uma questão de fé. Ou você acredita em mim ou não.” (Pág. 118)
Entretanto, Kerligan, um cientista de Aqua, não se conformou com a decisão e, apoiado por sua milícia, atravessou o portal para Terra, junto com seu amigo MJ. Onan, o cientista que criara o portal e descobrira a Terra, enviou Adrianna, uma de suas pupilas, logo em seguida, para impedir Kerligan. O homem logo fez fortuna aqui, usando de seu conhecimento para recriar as tecnologias de Aqua na Terra. Com dinheiro e conhecimento superior, Adrianna sabia que seria apenas uma questão de tempo para que Kerligan realizasse por completo seu plano de dominar a Terra. Ciente de que não poderia combatê-lo sozinha e que deveria aproveitar o fato de que ele não fazia ideia de que ela atravessara o portal, a mulher procurara por todo o mundo alguém compatível com Alpha11, um soro com nano robôs capazes de melhorar o corpo humano em diversos sentidos. Foi assim que ela encontrara Bruno, o único na Terra compatível com o soro.
“Nada poderia ser mais correto, mais justo, mais perfeito que os dois juntos, para sempre.” (Pág. 197)
Após o susto inicial, Bruno acaba acreditando na história de Adrianna e se compromete a ajudá-la. Ele se afasta dos amigos e até mesmo da mãe e, em um ano, se transforma em um homem mais forte, rápido, inteligente e rico do que jamais sonhou. Com o parceiro pronto para enfrentar Kerligan, Adrianna começa a colocar em prática seu plano de atrapalhar todo o sucesso do inimigo. Mas, para isso, ela precisará não só de Bruno, mas de seus amigos. Com o objetivo de liderar projetos milionários de produtos e tecnologias que irão melhorar a vida na Terra, os amigos de Bruno aceitam trabalhar para ele, sem saber que estão participando de uma verdadeira guerra. Com os conhecimentos de Adrianna, os projetos vão aos poucos mostrando resultados, mas Kerligan não parece realmente perceber que está sendo afetado, na realidade, ele continua muito bem sucedido. Mas tanto Adrianna quanto Bruno estão dispostos a ir até o final, mesmo que isso lhes custe sua felicidade ou mesmo sua vida.
“Iniciada a primeira fase, já não podia mais se dar ao luxo de reduzir o ritmo, o tempo se tornara seu inimigo.” (Pág. 32)
Ficção científica, ação e romance recheiam as páginas de “As Duas Faces do Destino” em medidas perfeitas. Misturando real e imaginário, o autor construiu uma história de ficção que se baseia na verdade; a verossimilhança com o real deixa a trama e personagens cativantes, mas a parte ficcional deixa o todo mais emocionante e divertido de ler. A maioria tecnologias descritas no livro já são realidade ou possibilidade na Terra, o que reforça a sensação geral de que “As Duas Faces do Destino” poderia muito bem ser um relato real. Ou um bom filme de ficção científica.
A narrativa do autor é bem construída e objetiva. Ela se desenvolve com naturalidade e agilidade, é perceptível que Almeida sabia para onde estava indo. A trama, além de bem conduzida, é bem amarrada, os pequenos detalhes se encaixam perfeitamente, mas não de forma forçada e sim natural. Gostei da forma como a história se desenvolveu, a trama principal intimamente ligada com as pequenas tramas, mas sempre deixando espaço para essas se desenvolverem. O final foi perfeito, além de encerrar a história de forma apropriada, ele não deixou nenhuma ponta solta, pelo contrário, serviu para que entendêssemos todos os detalhes inacabados do livro, inclusive o título (que além de ter muito sentido dentro da história, é poético e intrigante). Apesar de sentir que todos os acontecimentos foram necessários, que a história foi desenvolvida da maneira correta e que absolutamente nada deveria ser tirado, não posso negar que o livro ficou longo e um pouco cansativo, o que não chega a ser um ponto negativo. Um ponto super positivo de “As Duas Faces do Destino”, é que além de ter personagens brasileiros, grande parte da história se passa em terras verdes e amarelas, o que não deixa de agregar um pouco da nossa cultura a história, algo que acho importante. Não que os escritores não possam escrever sobre outras culturas e lugares, mas as histórias que contém um pouco do lugar de ondes eles vem sempre tem um sabor especial, um carinho perceptível com sua nacionalidade, com o livro e com a arte de escrever.
Os personagens também foram bem definidos e criados, cada um com sua personalidade própria e papel na trama. Alguns se corrompem, outros mentem e até mesmo matam, mas eles também se arrependem, perdoam, aprendem com o erro e se sacrificam por aquilo que acreditam e por quem amam. Todos são bem humanos e, assim, bem cativantes e convincentes. Gostei bastante de Bruno e Adrianna, ambos são objetivos, focados e corajosos, eles não recuam diante as dificuldades e continuam sempre em frente, resolvendo os problemas assim que estes aparecem. Por outro lado, os dois são também sensíveis, se preocupam com quem amam. Kerligan e MJ também me chamaram bastante atenção, mas não por serem apenas os vilões, afinal, eles não são apenas isso. Kerligan me surpreendeu ao mostrar que também amava e que se importava com as pessoas, que queria o bem delas e de seu planeta. Já MJ me surpreendeu com sua fidelidade a seus propósitos e sua missão. Entretanto, não se pode negar que os dois foram responsáveis por atos terríveis em nome de sua causa, que, no fundo, não era ruim ou egoísta, o que nos faz refletir se os fins justificam os meios.
“As Duas Faces do Destino” também traz outras reflexões. Kerligan veio para cá porque seu planeta estava a beira da extinção, o que nos faz pensar que a nossa Terra também não está em bons lençóis. Ainda possuímos muitos recursos naturais, mas esses estão rapidamente se esgotando e a situação se agrava com a poluição e superpopulação que causamos. Algo que me intrigou é que Aqua pensou duas vezes e acabou decidindo por não tomar a Terra, o que não fazemos por aqui. Em nome do nosso modo de vida capitalista, invadimos terras que não nos pertence e as usamos para nosso sustento e prazer, o que está muito longe de ser correto. Outro detalhe é que Aqua, mesmo com tanta tecnologia, não conseguiu evitar a morte de seu habitat e uma futura morte de sua sociedade. O que nos leva a questionar: do que adianta evoluirmos tanto no sentido tecnológico, se no meio cultural e social continuamos pobres e ignorantes?
Cumprindo seu papel de diversão, mas também de crítica à realidade, “As Duas Faces do Destino” é um excelente livro de ficção científica, gênero que ultimamente vem ganhando um lugar especial na minha estante e no meu coração. A estreia na literatura de Landulfo Almeida não poderia ter sido melhor e espero ansiosamente por mais histórias suas. Aproveito para agradecer imensamente pela oportunidade de ler “As Duas Faces do Destino”, que me lembrou outro nacional que super recomendo: “Cinco Luas” (resenha aqui), de Ronaldo Cavalcante.
Quanto a edição, não tenho nenhuma reclamação. A diagramação estava perfeita e não encontrei nenhum erro. Os capítulos juntos, assim como o tamanho e tipo de fonte e páginas amareladas ajudaram a deixar o livro um pouco menos cansativo. A capa é linda e combina perfeitamente com a história.
“Quando dois irmãos forem um só e os mundos se misturarem, um novo paraíso será formado. O fogo não encontrará a água e da magia nascerá uma nova vida para salvar o jardim.” (Pág. 431)
Autora da resenha: Ana Luiza Ferreira (La Mademoiselle)
site: http://mademoisellelovebooks.blogspot.com.br/