akame7 25/12/2021
Sensível.
Após muitos anos com esse livro na estante, decidi lê-lo. Com uma temática muito comovente e sensível, me senti extremamente mexida ao ver Cibele esboçar sua dor de não ter um pai e ter uma mãe ausente. Achei muito interessante esse dilema diferente, de ter uma mãe hippie e a forma em que o assunto foi abordado no livro, mostrando a irresponsabilidade de Cléo consigo mesma, o que a levou a morte, e com Cibele, um ser sem culpa que veio ao mundo e se viu extremamente desamparado de referências tanto maternas e, principalmente, paternas.
Acho que esse livro desmente com perfeição a frase "A gente não sente falta do que nunca teve", porque as lacunas do que não tivemos, persistem em doer e ficam como uma ferida aberta. Viver com feridas abertas é cruel. Vivi com muitas feridas abertas por questões parecidas com as de Cibele e, acho que por isso me senti vulnerável ao ler sua história.
Nessa história vi sofrimento por muitos ângulos. O dos pais de Cléo por ver a filha se matar aos poucos e destruir um futuro que teria pela frente. O de Cibele por se sentir um peso e não ter a quem se espelhar, além da incógnita que era o seu pai. E o de tia Paula, que após a morte dos pais, se viu sobrecarregada com a questão de Cibele e a questão financeira da família.
Todo o processo em que Cibele percorre a fim de descobrir seu pai, os exames de DNA, a aparição e o carinho de Guto por ela e por Cléo, a tensão e as frustrações com os acontecimentos, a decepção com Mateus, tudo isso deixa a história interessante e muito emocionante. Ver a indiferença de Danilo e a sua raiva ao se ver naquela situação, me lembrou do caso de Pelé e a sua recusa em assumir a paternidade de uma filha.
A frieza de Danilo faz Cibele sofrer, e sofremos juntos com ela ao ler. O carinho de Guto e suas reflexões sobre a vida que teve com Cléo, quando era hippie, aquecem nossos corações. A forma em que descreve as pessoas, às comparando com fenômenos e elementos da natureza, me encantou, assim como ele mostra que, os hippies, mesmo não tendo nada, apreciam os detalhes da vida que não vemos por causa da vida atribulada que levamos no dia a dia em busca de coisas sem valor real, sem valor para quem somos por dentro.
A minha decepção com esse livros diz respeito ao final. Achei uma tentativa muito desesperada de encaixar um final feliz em uma situação que em 90% dos casos não há final feliz na vida real. Querer fazer tudo terminar com um "felizes para sempre", destruiu toda a mensagem que esse livro construiu, aos meus olhos. Literalmente na penúltima página, tudo começa a se resolver e, um homem que a segundos atrás disse coisas frias e horríveis para a própria filha se transforma em alguém disposto a acolhê-la? Péssimo. Terrivelmente péssimo. Seria muito melhor se o autor mantivesse a rejeição e mostrasse que Cibele, com toda a adversidade que a vida lhe trouxe, se tornou um ser humano bonito e ressignificou suas relações e visões de mundo. A mensagem sobre o poder que uma palavra não dita tem, e o poder de todas as outras palavras que dizemos, seria muito mais refinada e real.
Detesto essa síndrome de que sempre teremos uma luz no fim do túnel para resolver as dores do coração, porque muitas vezes a vida é dura e não temos, principalmente na questão que o livro aborda. As palavras, de fato, são o maior presente que poderíamos ter. Com elas podemos significar as abstrações. Amei a mensagem do livro quanto às palavras ocas, as palavras que deveriam representar algo para nós mas não representam. Uma palavra pode mudar uma vida e, as palavras de Walcyr no prólogo e no epílogo deste livro mudaram a minha.
"Nos tornamos cada vez mais humanos pela palavra." "A palavra é uma faca de dois gumes."
Todos nós temos uma palavra não dita. Esse livro me fez refletir bastante. Nas palavras que digo, nas que já disse, nas que gostaria de dizer, nas que deixei de dizer e nas que vou dizer. No valor que há em cada palavra que dizemos e, que muitas vezes, dizemos de modo automático.