Taís 04/07/2018Dinah“A Tenda Vermelha” conta a história de Dinah, única filha de Jacó (que viria a se tornar Israel) com sua primeira esposa, Lia. Dinah como única menina foi mimada e criada com carinho pelas quatro esposas de Jacó: Lia, Raquel, Bilah e Zilpah. O título se refere a tenda menstrual onde as mulheres ficavam durante seu período, onde contavam suas histórias, conservavam seus costume e memórias vivos num mundo dominado pelos homens. A história é narrada pela própria Dinah que conta como foi sua vida desde a infância até a morte, passando pelo tão conhecido episódio bíblico do estupro que teria causado o conflito entre os filhos de Jacó e os homens de Siquém.
O primeiro contato que eu tive com “A Tenda Vermelha” foi a minissérie (Netflix sempre salvando vidas) e eu me apaixonei pela história. A história de Dinah realmente nunca tinha me interessado muito sendo apenas, como a própria personagem diz, uma nota de rodapé da história de Jacó e dos seus filhos. Claro que nas aulas de catequese eu me comovia com o sofrimento de Dinah, mas ela some logo em seguida na narrativa e é logo esquecida, então ver uma versão do ponto de vista da personagem, mesmo que totalmente romanceada, é muito instigante.
Mais do que uma biografia fictícia da vida de Dinah a história fala muito às mulheres, sobre sua união, sua força e seu lugar na sociedade. Há um momento em que ela questiona o pai sobre a injustiça que seus irmãos cometeram contra os homens de Siquém, ao que Jacó pergunta o que ele poderia fazer já que os “malfeitores” são seus filhos e Dinah exclamou, em desprezo, que ela é APENAS uma filha e não passa de uma propriedade. Essa discussão, independente do tempo ou lugar em que se passe, fala muito ao público feminino.
Depois de ler o livro e ver a série fui ler a respeito de ambos, localizei críticas, análises, correções históricas e a turminha esbravejando sobre a “distorção” da história bíblica. Todas as questões sobre o patriarcado (oh! O patriarcado), sobre religião, bíblia e sociedade (principalmente o lugar da mulher na sociedade e como as amizades femininas são representadas) são extremamente relevantes e atuais, mas para mim elas acabaram compondo o plano de fundo de uma história de amor, perda e superação.
As críticas à falta de fidelidade histórica ou bíblica (não! Não são a mesma coisa. Vamos todos nos controlar!) não são tão importantes para mim quanto a história que está sendo contada. Não se trata só da história de Dinah ou de Jacó, trata-se de memória, sobre a perda ou manutenção dos costumes e da vida das pessoas, sobre como as histórias que chegam até nós, não só sobre Lia e Raquel. Me fez refletir sobre quanto das vidas da minha mãe, minhas tias e avós eu não conheço. Como eu desconheço seus dramas e dificuldades e quanto me é passado através da perspectiva de outros. Sempre aprendendo as versões da história e não os fatos, como isso pode causar desencontros e mal entendidos.
Para mim a história fala sobre os laços entre as pessoas, como eles podem ser complexos ou parecerem frágeis e mesmo assim serem as conexões que definem nossas vidas, como a história das pessoas com que nos relacionam passam a fazer parte da nossa própria história. Sobre como todas essas pessoas tem seus defeitos, fraquezas e falhas, como podem errar e se arrepender e isso não faz delas menos culpadas, ou inocentes, apenas humanas.
Mas, acima de tudo, a história dessa Dinah me trouxe uma lição sobre superação. Não só sobre ter a força de seguir seu próprio caminho e tomar suas próprias decisões. Mas como superar os desafios que esse caminho nos traz, e se não conseguirmos superá-los, se formos derrotados por eles, conseguirmos reunir a força necessária para levantar, continuar e ainda conseguir encontrar a felicidade.
Usando metáforas de filmes é como Tom Hanks esperando na praia pelo o que quer que seja que a maré possa trazer, ou como Stallone dando aquela lição incrível ao filho sobre continuar lutando independente de como a vida nos derrube.
Todos nós que gostamos de ler acabamos em certo momento percebendo que o ato da leitura não se trata só de registrar o que o autor diz, mas sobre como isso nos toca pessoalmente, sobre o que cada livro adiciona à nossa experiência e perspectivas. Por isso eu compreendo as críticas mas, ignoro as imprecisões históricas e estou, sinceramente, cagando para o quanto disso pode ou não ser “ofensivo” para alguns e estou aqui escrevendo essa resenha, porque esse é um livro que eu amei ler e que recomendo.