Luiz.Ricardo 29/01/2022
Um clássico não é assim chamado atoa...
O adultério de uma russa aristocrata do século XIX. Isso é muito pouco para expressar a complexidade dessa obra. Se você tem curiosidade de conhecer esse livro, sugiro que não procure mais nada na internet e vá ler agora mesmo.
Desde o início vemos a construção de várias dicotomias: Os personagens principais, as duas cidades, o casamento feliz e o fracassado, a simplicidade do campo e as frivolidades da cidade. Inclusive há dicotomia até entre Ana e Kitty (falo disso daqui a pouco).
E é através dessas dualidades que Tolstói nos apresenta uma Rússia Czarista, ainda muito dependente do campo, mas com sua aristocracia, passatempos, costumes e sociedade. É uma viagem ao passado.
O desenrolar do romance conta com o forte traço do autor de praticamente despir a alma de cada personagem nos permite conhecê-los integralmente, sua vida, seus pensamentos, medos, anseios, esperanças, dores, propósitos e valores (O capítulo dedicado a Dolly indo para casa de Ana e Vronsky retrata bem isso). E isso é muito bom para você se importar (amar ou odiar) com suas atitudes.
Esse detalhismo também se aplica na ambientação dos espaços e ações dos personagens, é cinema literário. Mas tudo isso não é colocado de forma enfadonha, na verdade ajuda a dar realismo a cada parágrafo.
ATENÇÃO, VOU COMENTAR SPOILER!
É muito interessante o personagem do Levine (alter ego do Tolstói). Um homem de posses, mas extremamente simples que valoriza a família, o campo, que detesta a vida opulenta e fútil da capital, e sabe apreciar o bom trabalho, não se importa muito como sua imagem está sendo passada (vide o capítulo da ceifa). É dele as melhores tiradas filosóficas, espirituais e religiosas. É uma espécie de antítese da Ana.
Ana, por sua vez, tem um arco complexo de desfecho trágico. Uma mulher forte e confiante dá lugar a uma Ana ciumenta, transtornada, dramática e insegura. Mas como fazer juízo disso visto que ela antes era "bem casada", mãe, tinha uma posição social elevada, bem vista e admirada por todos, mas após seu caso com Vronsky ela se tornou a "que abandonou o marido" foi ostracizada, perdeu a guarda do filho, sua imagem destruída e sem convívio social. Ana, sim, se importa com as aparências e várias vezes demonstra isso. Apesar de achar que ela não era perfeita, longe disso (afinal de contas ela foi seu próprio algoz, várias partes me dava raiva dela), é fato que ela perdeu tudo e não soube lidar com isso. Se fosse homem, provavelmente não teria se suicidado, algo que é ironicamente contrastado na figura do seu irmão. É curioso notar a dicotomia Ana/Kitty. Enquanto uma vai perdendo o brilho e sucumbindo, a outra evolui sobremaneira, é notável o amadurecimento da Kitty.
Termino com uma das passagens mais bonitas, quando Levine vai ao encontro de Kitty no baile: "Desceu até a pista, evitando olhá-la de frente, como se ela fosse o Sol, mas, sol que era, também não precisava de olhar para vê-la"