Aninha Queiroz 02/12/2022
"Quem mais sofre na guerra é quem não tem serviço de matar"
Minha experiência de leitura em "Terra Sonâmbula" foi única e, certamente, me apresentou possibilidades outras de escrita e história para além das que estava habituada. A história abarca a trajetória do ancião Tuahir e do garoto Muidinga que tentam sobreviver à guerra em sua terra Moçambique. Mia Couto brinca com a arte da escrita poética ao misturar fatos históricos, como o própria ambientação da Guerra de Independência de Moçambique, e misticismos da cultura africana. De maneira extremamente lírica e metafórica a difícil situação vivida pelas personagens (e pelo povo moçambicano) é transcrita, são passagens tão fortes que não me recordo ter feitos tantas marcações em um livro como fiz neste. Retornando ao enredo, outro aspecto importantíssimo é a construção da identidade coletiva e individual por meio da escrita e da narração de histórias, ato concretizado a partir do compartilhamento do diário da personagem Kindzu, encontrado por Muidinga. O menino possui a habilidade de leitura, e cria a prática de ler o diário também para o velho, momento este que é extremamente significativo para o enredo. Desta maneira o livro é alternado entre as andanças de Tuahir e Muidinga e trechos do diário de Kindzu. Creio que por ser meu primeiro contato com um livro ambientado na cultura africana senti um pouco de estranhamento em ralação a alguns elementos fantásticos/místicos do livro. Apesar de sair da minha zona de conforto a leitura foi essencial para engrandecer visão de mundo e a ideia que mais me tocou foi a de que os personagens não só vivem na guerra mas de certa forma são parte dela. Como todas suas adversidades, a vida obriga nossa construção, desconstrução e reconstrução.