Victor Simião 08/01/2013
Japoneses e a guerra que o Brasil não conhece
Aposto que você é daqueles que sabem que os japoneses vieram ao Brasil há mais de 100 anos, que, com muito esforço, eles conseguiram garantir uma vida melhor, e que a maioria das pastelarias que você frequenta são estabelecimentos comandados por eles.
Isso tudo é clichê. A história dos nossos amigos orientais é muito mais bonita e sangrenta.
E é esse tipo de história que eu não conhecia. Que você não conhece, e que a escola infelizmente não ensina. E será essa a história que você irá conhecer, ao menos um pouco, nesta resenha.
Creio que você conheça a história da primeira guerra mundial. Ou, quem sabe, da segunda. Mas da guerra que os japoneses travaram no Brasil, mais precisamente no interior de São Paulo, eu acho que não.
"Corações Sujos", que teve a primeira edição lançada em 2000, veio para narrar à história da batalha travada pela colônia japonesa pós-segunda guerra mundial nas terras verde-amarelas.
A colônia japonesa que se instalara no Brasil estava dividida. De um lado havia os “Kachigumi”, que significa “vitoristas”. Do outro, os “Makegumi”, ou “derrotistas”, apelidados também de “corações sujos”, pela seita “Shindo Renmei”, cuja qual era ligada aos “vitoristas”, e que tinha como objetivo principal, acabar com os “derrotistas”.
A obra é fantástica. Li em pouco tempo. Abria em todos os locais em que estava para poder ler. Acredito que, por causa disso, perdi vários amigos, pois eles queriam puxar assunto comigo, e eu queria saber como se desenrolava a história.
Sem dúvida alguma, o livro é uma grande reportagem muito bem feita. Coisa de quem sabe escrever. Fernando Morais, autor de “Olga”, “A ilha”, e, o mais recente “Os últimos soldados da guerra fria”, cria um best-seller, e mostra o porquê de ser considerado um dos melhores autores nacionais.
O estopim para o início da “guerra” dos japoneses foi a derrota do Japão para os Estados Unidos, em 1945. Foi a primeira derrota do país, nos 2600 anos que a terra do sol nascente tinha até então.
Aqui, no Brasil, viviam cerca de 200 mil imigrantes japoneses e que acabaram se dividindo em dois grupos: os que acreditavam na derrota do Japão (“Makegumi”), e os que não acreditavam (“Kachigumi”).
Para os “vitoristas”, o motivo para não acreditar era simples: o Japão nunca havia perdido uma guerra, por isso não seria naquele momento que perderia; e pelo fato da notícia ter chego ao Brasil pelo rádio, aquilo significava uma propaganda norte-americana.
Os japoneses que acreditavam na vitória do Japão começaram a ir atrás de quem duvidasse da vitória de seu país de origem. E os matavam. Mas antes, em frente à casa do futuro assassinado, deixavam uma mensagem: “Lave sua garganta, coração sujo”.
Enquanto lia isso, imaginava como era a situação. O medo tomou conta de mim. Imagine, então, de quem viveu na pele aquilo. O que eles sentiram e pensaram? Como reagiram?, me perguntei. E logo em seguida, obtive a resposta, já que o próprio livro traz essas informações.
Com o passar do tempo, vários japoneses se reúnem para organizar um grupo - os “vitoristas” – que acaba sendo batizado de “Shindo Renmei”, que se unem para matar todos aqueles que duvidassem da vitória do país.
Para dar veracidade aos fatos, alguns “Makegumi” falsificavam fotos e alteravam revistas para mostrar a vitória do exército japonês. Ai de quem ousasse duvidar da veracidade de tais informações.
Uma das características dos “Makegumi” era a inocência. Após assassinarem quem deveria morrer, eles tinham ordens explícitas de se entregarem a polícia, pois sabiam das leis brasileiras.
Ao todo, durante a atuação da organização, 23 japoneses foram mortos, e cerca de 150 ficaram feridos entre janeiro de 1946 a fevereiro de 1947. Não houveram mais mortes por conta da pontaria dos “vitoristas”. Por várias vezes eles erraram o alvo – quando não matavam japoneses errados.
O Dops (Departamento de Ordem Política e Social), para conter a ação espalhada pelo estado de São Paulo, prendeu 30 mil suspeitos, condenando 381 de um a trinta anos de prisão. E o então presidente Getúlio Vargas decreta a deportação de oitenta pessoas ligadas à “Shindo Rinmei”.
Um último detalhe que me deixou fascinado foi a pesquisa realizada pelo autor para escrever a obra. Ao final do livro, ele deixa o nome das pessoas que foram entrevistadas. Entre elas, havia alguns ex-membros da “Shindo Renmei”.
Em 2001, "Corações Sujos" levou o prêmio Jabuti de Literatura na categoria Reportagem. Neste ano a obra foi adaptada para o cinema. Infelizmente, não assisti. Me contentei em ver o trailer, e ler sobre a película, que, segundo Fernando Morais, não é totalmente fiel ao livro, já que cria uma história de amor e um novo personagem, mas nem por isso deixa de ser um bom filme.
Ah, um alerta para todos: não estranhe se você começar a andar por aí e começar a imaginar que todo japonês que você vê pode ter sido membro de uma organização secreta, ou que ainda é. Eu também fiquei com o mesmo pensamento durante um tempo – e às vezes ele volta (risos).
Resenha publicada originalmente no blog literário Caçadora de Livros.
http://www.cacadoradelivros.com/2012/11/coracoes-sujos-fernando-morais.html