Lucio 18/12/2020
A resposta: o abandono, promovido pelo progressismo, do ideal de família e de lar.
INTRODUÇÃO
Este é um livro de 1910, cerca de dois anos após a publicação do ‘Ortodoxia’ e cerca de cinco depois do ‘Hereges’. O livro é visto não como um livro apologético, como aquele primeiro e, em partes, este último, ou como o ‘O Homem Eterno’, mas como um livro de crítica social. Todavia, é um livro em que o autor busca aplicar a visão de mundo cristã e, nesse sentido, continua como uma defesa da visão do mundo cristã e sua inerente sanidade - bem como a insanidade do que se lhe opõe. O livro pretende justamente apontar o que estava fazendo o mundo ser ruim como estava, como se desenhava. Não se pretende um tratado de teodicéia ou de hamartiologia. É uma crítica cultural. Embora localizada num momento e lugar - Inglaterra no início do século XX -, e por isso levantar algumas dificuldades para compreender e avaliar os argumentos, seus princípios são universais. Chesterton parte de verdades antropológicas, sociais, psicológicas e filosóficas que não se restringem a um momento e lugar. E aí que se encontra o imenso valor da obra. Vale mencionar que há defesas brilhantes de muitos princípios conservadores, bem como defesas da perspectiva econômica distributivista. O livro também é celebrado por sua defesa da feminilidade contrária ao efeverscente movimento feminista da sua época. E nela há a exposição da filosofia da educação do autor.
Se fôssemos sintetizá-lo num parágrafo, diríamos que para Chesterton o problema do mundo era o abandono do ideal da família. E por família o autor entende o pai, filhos e a mãe em seus devidos papéis naturais, bem como o papel antropológico do próprio lar. O mundo é ruim - ou pior do que deveria - porque ele milita contra essa instituição divina. E é isto que o autor vem nos alertar.
RESUMO
Primeiramente, Chesterton estabelece que devemos estabelecer um ideal, e que fazê-lo é ser o verdadeiro homem prático. Era necessário discutir ideais e buscá-los. E para isso, é preciso liberdade, inclusive a liberdade de olhar para trás. Com efeito, a recusa do passado é o sintoma modernista, e o motivo é o desafio e grandeza do passado. Mas, com isso, perde-se a glória do que os homens já construíram. É na primeira parte que Chesterton estabelece a necessidade de um lar antes de mais nada, e um lar livre das influências totalitárias do Estado. Na sequência, na segunda parte, Chesterton faz uma crítica ao ‘cesarismo’, i. e., à tecnocracia e especialismo que minavam justamente as bases da democracia e da camaradagem. É o importante alerta de que a mentalidade de mercado e das ciências técnicas especializadas não devem ditar as normas das relações entre os homens, incluindo aí a política. A famigerada terceira parte é onde Chesterton defenderá mais ferrenhamente o princípio da domesticidade, principalmente focando no problema de que as mulheres saíram de casa e, assim, abandonaram sua vocação humana apropriada, específica. As mulheres têm virtudes que a tornam especialmente preparada para o lar, como a decência e a parcimônia, bem como a proximidade natural com as crianças que faz dela a principal e adequada educadora. Mais do que isso, ao passo que na vida pública há uma demanda para a especialização, a mulher não pode ser uma especialista, mas deve ter um conhecimento mais abrangente para introduzir a criança no mundo. Ela deve, pois, educar a criança e se preparar para isso. Ela é a maior interessada e é plenamente capaz - além de isso evitar os problemas da educação pública que é justamente o tema da quarta parte. É nela que Chesterton expõe sua filosofia da educação de forma mais abrangente - somando-se ao princípio já estabelecido de que a mãe é a educadora ideal. Chesterton é contrário ao determinismo ingênuo de que a criança é o que os pais são, num tipo de hereditarismo exagerado que simplesmente embrutece a concepção das possibilidades do indivíduo. Igualmente, Chesterton enfrenta a questão do papel do meio, e é aí que coloca o papel da educação. E aqui, particularmente, aponta o problema da ideia de que a educação não é transmissão de conhecimentos. O filósofo mostra como é inevitável que a educação se configure desta forma e que o papel da autoridade é igualmente inescapável, por mais que a noção de ‘instrutor’ tente camuflá-la. Fala também sobre o papel da educação ter igualmente o papel de filtro das informações bem como de dar significado e harmonia global para os conhecimentos. Há ainda críticas às ideologias modernas e sua rejeição das tradições dos pais - a tradição da humanidade. Por fim, observa que a educação para as mulheres era, em grande medida, apenas tentar fazer as mulheres fazerem todas as coisas de homens, inclusive as coisas que são essencialmente masculinas. E não havia nada de inovador nisso, como pretendiam os modernos. Na quinta e última parte, Chesterton observa que havia uma espécie de insetolatria que tentava justificar a diluição da família pela mimesis das colméias. É aqui também que o autor observa que os socialistas ignoravam elementos de individualidade intrínsecos ao homem. E é onde o autor propõe a redistribuição das propriedades para que seja possível vivenciar a família tal como ele idealiza.
REFERENCIAL TEÓRICO
Chesterton, como sempre, está carregado de muitas referências, principalmente a intelectuais ingleses, incluindo os de sua época. Há muitas referências literárias também, e também principalmente britânicas. Shaw, Wells, Kipling são certamente figuras marcantes, mas muitos outros nomes famosos da época são mencionados, inclusive muitas feministas importantes para o movimento sufragista. Chesterton também ecoa o distributismo de Belloc, e ácidas críticas a Burke. São os autores que esperávamos. Sentimos falta, no entanto, de Smith e Mill e, como falaremos na crítica, as leituras de Burke não nos parece precisas. Mas o livro continua muito bem fundamentado em pesquisa sólida - como era de se esperar.
CRÍTICA
A cada leitura de Chesterton, temos a impressão de que ele lidava com algum conservadorismo mitigado e, opondo-se a ele, julgava-se muitas vezes contrário a um conservadorismo com o qual ele era muito mais afeiçoado do que parecia perceber. Chesterton faz críticas completamente equivocadas a Burke, como a de que ele propunha uma passividade diante do tirano. Também não parece dialogar de forma competente com o liberalismo econômico, inclusive de tradição britânica. A partir disso é que nos parecem equivocadas suas leituras do capitalismo e sua proposta de redistribuição das propriedades. O autor também faz lamentáveis elogios à Revolução Francesa que a leitura mais adequada de Burke o faria rever. Outra questão a ser mencionada numa avaliação crítica é o fato de que há questões muito pontuais e particulares do seu tempo que nos deixam um pouco suspensos. Não conhecemos a situação das ‘public schools’ para averiguar se suas críticas procedem. Há, tão ruim ou pior do que suas acusações ao conservadorismo, os sempre presentes espantalhos em relação ao calvinismo que também empobrecem um pouco a obra, mas que podem ser ignoradas e não roubam o brilho do todo.
Chesterton fundamenta o apreço pela tradição ao mesmo tempo que condena um apego idolátrico à tradição - observando que é preciso se pautar em princípios primeiros antes de mais nada. O autor é também muito feliz em condenar o amor ao futuro que patrocina a tirania (o que nos pareceu com a ‘mentalidade revolucionária’ de Olavo de Carvalho). É feliz em distinguir o apego à tradição do comodismo e estabelece bem o princípio do ‘regresso’ como progresso quando é necessário após terem sido dados passos ruins. O filósofo também é muito feliz em defender a glória da mãe-mestre e a condenar perspectivas que hoje reputamos, no Brasil, por ‘freirianas’, a saber, a de que o professor não transmite conteúdo.
RECOMENDAÇÃO
O livro não decepcionará os amantes de Chesterton. Talvez nenhum o faça. Chesterton continua brilhante, sagaz e com um maravilhoso bom humor. Apesar dos problemas que apontamos, é uma brilhante apresentação e defesa de muitos princípios conservadores, de modo que estudiosos de direita se beneficiarão muito com a leitura. Há críticas interessantes ao socialismo que também agradará aos conservadores e poderá servir como bom interlocutor para quem for progressista e de esquerda - inclusive pela defesa dos princípios conservadores que supra-mencionamos. Como temos observado nas resenhas dos livros deste autor, sua leveza e beleza retóricas podem fazer com que o leitor desatento, desavisado e/ou destreinado não consiga perceber os sutis argumentos. Por isso, quem quer que for ler, deve cuidar para não ser levado pelas habilidades literárias a ponto de se esquecer de perceber os argumentos expostos de forma tão bela e agradável. Um pouco de atenção será o bastante. Mais do que isso, - e para finalizar - quem já tiver conhecimento dos elementos essenciais do conservadorismo poderá aproveitar muito mais o livro, reconhecendo-os diluídos na encantadora prosa do autor. Acredito que este é o leitor perfeito para essa obra.