Marcelo Dias 15/09/2021
Moralidade, Huxley e afins
Quando abro a aba de resenhas de um livro aqui no Skoob vou logo naquelas mais simples, concisas, sem muita firula e sem embromação; de complicados já bastam os livros "per si".
E por falar em complicação, é o caso desse livro.
Como informa a contracapa do livro: nele, Lewis defende a moralidade absoluta e os valores universais, expondo as consequências da falta desses princípios na sociedade. Em suma, critica os argumentos relativistas que permeiam a sociedade contemporânea, concluindo que a tentativa de abolir a moralidade equivale, no fim, a abolir o próprio homem (ou a humanidade deste), daí o nome do livro.
A complicação citada mora na densidade argumentativa desse livro (um leitor mais inteligente talvez não ache :-D). A parte narrativa/argumentativa do livro tem meras 66 páginas e levei 3 dias pra terminar.
O argumento principal é: ao se retirar a moralidade "natural" da humanidade e tentar substituí-la por qualquer outra coisa que guie o progresso da humanidade perderemos tudo, até mesmo o sentido próprio de humanidade. Retire os valores mais arraigados do homem e você não terá nada mais que uma mera máquina biológica, um animal irracional, um ser vazio. E Lewis já adverte: nem adianta cogitar ser capaz de inventar novos valores que possam nos guiar! Uma vez que se renuncia ao Tao (valores morais universais) você entra em lugar-nenhum, do qual não há possibilidade alguma de se criar um novo sistema de valores e moralidade.
Esse argumento central se desdobra em mil e uma ponderações e abstrações bem mais específicas e complexas de se entender. Se digo que compreendi 70% dos argumentos é com boa dose de otimismo!
Mas enfim, não é um livro impossível de se compreender, as 4 estrelas que dei vão pela parte que consegui assimilar haha
Agora vai uma dica extremamente pessoal que talvez não funcione com qualquer um: LEIA ADMIRÁVEL MUNDO NOVO, de Aldous Huxley, antes de ler esse livro. Sério, só leia!
A sociedade do livro de Huxley se encaixa muitíssimo bem em certas abstrações que Lewis propõe ao falar da abolição de valores e da "conquista do Homem sobre a Natureza". Já ter lido Huxley foi de grande valia para entender e conjecturar o que Lewis propunha. Para provar o que falo vou deixar aqui alguns trechos da fala de Lewis neste livro que eu olhei e gritei: "É O ADMIRÁVEL MUNDO NOVO, CARAMBA!!!" (quem já leu provavelmente vá ter a mesma reação).
"E no que diz respeito aos contraceptivos, há um sentido paradoxal, negativo, em que todas as possíveis futuras gerações são os pacientes ou objetos do poder exercido por aqueles que já estão vivos. Se usados simplesmente como método contraceptivo, eles estão negando a existência; se usados como meio de reprodução seletiva, sem voz que concorde, estão sendo feitos para ser o que uma geração, por razões próprias, quiser que sejam. Desse ponto de vista, o que chamamos de poder do Homem sobre a Natureza, revela-se como o poder exercido por algumas pessoas sobre as outras, tendo a Natureza por seu instrumento."
"Cada geração exerce poder sobre os seus sucessores; e cada uma, na medida em que modifica o ambiente legado a ela e se rebela contra a tradição, resiste e limita o poder de seus precursores. Isso modifica o quadro que, às vezes, é pintado de uma emancipação progressiva da tradição e um controle progressivo dos processos naturais, resultando em um aumento contínuo do poder humano. Na realidade, é claro, se em algum período da história se alcançasse, pela eugenia e educação científica, o poder de fazer dos seus descendentes o que bem entendesse, todas as pessoas que viessem depois estariam conformadas a esse poder. Seriam mais fracos, não mais fortes, pois embora possamos ter posto máquinas maravilhosas em suas mãos, predeterminamos como eles as devem usar. E se, como é quase certo, a era que alcançou assim o poder máximo sobre a posteridade também fosse a era mais emancipada em relação à tradição, ela estaria engajada em reduzir o poder de seus precursores quase tão drasticamente quanto aquele dos seus sucessores. Devemos lembrar também que, bem à parte disso, quanto mais tarde vem uma geração final — quanto mais próxima ela vive daquela época em que as espécies serão extintas — menos poder ela terá de avanço, porque os seus objetos [de manipulação] estarão reduzidos. Por isso, não há dúvida de que há um poder investido na raça como um todo que estará em constante crescimento, enquanto a raça sobreviver. Mas os últimos homens, longe de serem os herdeiros do poder, serão todos homens sujeitos ao extremo, à mão-morta dos grandes planejadores e manipuladores e eles mesmos exercerão menos poder sobre o futuro."
"O último estágio terá chegado quando o Homem tiver obtido controle total sobre si mesmo por meio da genética, do condicionamento pré-natal e da educação e da propaganda baseadas em uma psicologia perfeitamente aplicada."