Codinome 06/09/2021
Um pouco sobre "Os mortos"
O texto "Os mortos" é o último e maior conto da coletânea "Dublinenses" (1914), Joyce o escreveu quando tinha apenas 25 anos de idade; algo que surpreende ao percebemos a tamanha qualidade do conto e seu alto reconhecimento pela crítica: Vladimir Nabokov, por exemplo, em suas análises literárias, dá nota máxima ao conto (único o qual faz isso).
Aqui abro um pequeno parêntese para falar sobre o tamanho do conto. Ao lermos "Os mortos", ficamos com a impressão de que esse conto de 54 páginas tem proporções de uma novela. No entanto, essa separação de conto, novela e romance a partir de seu número de páginas não é algo muito bem definido. Autores como James Joyce ou David Foster Wallace, que escrevem romances muito volumosos, acabaram também mantendo as grandes proporções em alguns de seus contos.
Vamos à história: há uma festa tradicional ocorrendo, aparentemente a celebração da noite de Natal promovida por duas senhoras e sua sobrinha. O conto começa com as personagens chegando na casa dessas mulheres onde ocorrerá a grande ceia, inclusive com a chegada do personagem Gabriel Conroy, protagonista da história. Duas atmosferas são bastante presentes na narrativa: a nostalgia, evidenciada nos diálogos dos parentes e amigos, e a presença da música, tema bastante caro ao escritor (há até uma teoria que diz que seu último romance, "Finnegans Wake", de 1939, é um experimento que busca combinar de forma profunda o ritmo da música com o ritmo interno da prosa); aliás, dois aspectos - nostalgia e música - facilmente combináveis.
O estilo de Joyce nesse conto é impecável, utilizando-se, em alguns momentos, do fluxo de consciência de Gabriel e, em outros, da narrativa descritiva para apresentar a mesa de jantar, uma das melhores descrições de um ambiente que já vi. A narração também é composta pelo discurso de Gabriel na mesa de jantar e pelos diversos diálogos que aparecem nessa festa. Reitero: Joyce se sai bem em todas essas formas de contar uma história, colocando-as de forma natural em seu conto.
Da metade ao fim, há uma mudança temporal para a manhã do dia seguinte da festa, mantendo-se o clima de nostalgia na despedida desses personagens. Há uma cena chave nessa parte: a esposa de Gabriel, quando está descendo a escada da casa para ir embora, escuta a melodia de uma música que a deixa extremamente emotiva: sentimento melancólico que se estende até o final do conto, que ocorre no hotel que o casal ficará.
Não entrarei em detalhes dessa cena final (apesar de sua extrema importância para a compreensão geral do conto como um todo; aliás, essa é a característica de um grande conto: cada uma de suas partes são fundamentais, sem deixar rebarbas ou ausências), afim de não quebrar a surpresa do leitor que lerá a obra. Digo apenas que é uma conclusão que apresenta de forma extremamente bem escrita as tensões universais de vida e morte, presente e passado.
Um dos melhores contos que já li, se não o melhor. Demonstrando o grande autor que James Joyce era em sua juventude: Nabokov, de fato, estava bem certo em sua análise.