Palazo 23/11/2011Cinco homens fogem para um local desabitado na savana africana. Tio Aproximado, o serviçal Zacaria Kalash, o pai Silvestre Vitalício e seus dois filhos Ntunzi e Mwanito. Eles instalam-se no local que ganha o nome de Jerusalém e fazem “reparos mínimos” para habitá-lo. Enquanto isso, Silvestre constrói uma cruz na entrada do acampamento, “por cima da cabeça de Cristo ele fixou uma tabuleta” desejando boas vindas ao “Senhor Deus” e repetia aos filhos sua crença:
“Um dia, Deus nos virá pedir desculpas”
Os motivos da fuga das cinco almas é a negação do próprio passado, que é recortado da memória e esquecido junto com o resto do mundo, também conhecido como o lado de lá. O ponto que gera a extradição para Jerusalém é a morte misteriosa de Dordalma, a mãe e Ntunzi e Mwanito.
Nesse contexto é construído o livro “Antes de nascer o mundo” do escritor Mia Couto, publicado pela Companhia das Letras. A obra é dividida em três partes. A primeira é chamada de “A humanidade”, onde são apresentados os moradores de Jerusalém. Na segunda parte, intitulada “A visita”, os moradores recebem uma inesperada presença que muda a rotina dos cinco e desencadeia a parte três do livro – Revelações e Regressos.
Apesar da continuidade das partes em que a obra se separa, a construção da narrativa não é linear. Os fatos aparecem entrecortados no meio da ação, alguns lapsos de memória são aos poucos resgatados e os fatos vão e vem sem qualquer nexo aparente. A história precisa ser montada pelo leitor juntando partes de capítulos, unindo pontos desconexos e evitando cair no jogo alucinógeno de Silvestre Vitalício.
A loucura da história tem como criador o pai dos dois garotos, porém ela é narrada quase em sua totalidade por Mwanito, o filho mais jovem. Os olhos do garoto não mostram nenhum ar infantil ou ingênuo, são carregados e envelhecidos pela perda da infância.
Na segunda parte, a narração do garoto é intercalada pela narrativa da visitante ilustre, Marta. Os motivos que levam a portuguesa a Jerusalém são opostos aos dos habitantes de tal região, porém mudam o rumo da narrativa e trazem novas revelações que vão moldando pouco a pouco cada personagem e detalhe da história.
Além da narrativa desconexa e intrigante, o texto de Mia Couto é carregado de uma prosa poética que encanta, quase que obrigando o leitor a andar sempre com um lápis para grifar ou anotar passagens curiosas. Introduzindo cada capítulo, há uma poesia que anuncia em seus versos o que está por vir. Os poemas são em sua maioria de Sophia de Mello Breyner Andresen, Hilda Hist e Adélia Prado.
Através de uma narrativa poética, Mia Couto cria um cenário em que os personagens convivem e encontram-se – ou escondem-se – no mesmo lugar. Em Jerusalém a perda é anunciada através da morte da mãe, do sumiço do mundo, do esquecimento do passado e da falta de um futuro. Porém, fica-se na dúvida se faltou confiança ou esperança aos habitantes, pois como diz o narrador: “Quem perde a esperança foge. Quem perde a confiança esconde-se”. E sinceramente, ainda me paira a dúvida se os habitantes de Jerusalém são fugitivos ou refugiados do mundo.
Antes de nascer o mundo
Autor: Mia Couto
280 páginas
Preço sugerido: R$ 46,50