PorEssasPáginas 09/09/2013
Resenha Não brinque com fogo - Por Essas Páginas
Não brinque com fogo foi o nosso primeiro livro de parceria com a Editora Arqueiro. Também foi minha primeira leitura de John Verdon e da sua série do detetive Dave Gurney. Apesar de ser o terceiro livro do autor – e da série – não senti incômodo algum por ler uma série já iniciada. Como a maioria dos livros policiais, a série é uma sequencia, mas um livro não é conectado intrinsecamente ao outro, de maneira que qualquer leitor pode iniciar a série não pelo primeiro, mas pelo segundo ou ainda pelo terceiro livro tranquilamente. Mas sim, fiquei com vontade de ler mais livros dessa série. Vamos lá descobrir mais sobre Não brinque com fogo?
Como eu disse anteriormente, não tive nenhum problema de entendimento ou para me situar na história, mesmo se tratando de uma série. Policiais são geralmente dessa maneira, algo que gosto muito. Porém, o problema real que senti no início desse livro foi uma introdução lenta, arrastada, descritiva e quase monótona. Demorei mais de uma semana para lê-lo e culpo por isso a lentidão desse início. O livro é dividido em três partes e, ao menos para mim, as coisas começaram a se tornar realmente interessantes somente a partir do final da primeira parte, o que acontece lá pela página 115.
"(…) a raiva é como um iceberg. O que você acha que é sua causa em geral é apenas a ponta da massa de gelo. Só seguindo a corrente até lá embaixo para descobrir a que ela está ligada, o que a sustenta." Página 77.
A partir daí a leitura se torna realmente ágil e viciante. Demorei tanto para ler 115 páginas e depois devorei as quase 300 páginas seguintes em dois ou três dias. Sendo um thriller policial, toda a história é cheia de surpresas, reviravoltas no caso e muita ação. Ah, e claro, acompanhamos os pensamentos de Gurney, um detetive aposentado ainda brilhante, em uma narrativa em terceira pessoa, porém centrada na visão de apenas um personagem (com exceção das pequenas entradas do assassino, o Bom Pastor). Toda a trama é bem amarrada e as respostas satisfazem e são coerentes com o mistério criado pelo autor.
Sobre Dave Gurney… ainda não me decidi se gosto do personagem ou não. Acho que preciso ler mais alguns livros dele para ter certeza. Por muito tempo me irritei com ele, principalmente no início, quando ele passava por um momento de extrema rabugice e depressão, devido a um acontecimento do livro anterior. A sua carga emocional era sufocante e essa é grande parte da causa da lentidão no início da obra. Claro que há uma explicação lógica para essa situação e ela deve ficar ainda mais evidente se você ler os outros volumes antes desse. Mas não deixa de ser irritante em grande parte do tempo esse estado do personagem, principalmente porque você o acompanha o tempo inteiro. Porém, depois de algumas reviravoltas, ele se torna mais interessante, confiante, centrado e mais ele mesmo, apesar de ainda possuir alguns conflitos internos, mas nesse momento eles acrescentam, ao invés de tomarem todas as atenções para si. Gurney deixa seu estado de inércia e começa efetivamente a agir, o que torna a história muito mais dinâmica, cheia de tensão, deixando o leitor angustiado para alcançar o final do livro.
"- Você está querendo saber que decisão eu tomaria se não fosse eu, com meu passado, meus sentimentos, meus pensamentos, minha família, minhas prioridades, minha vida. Será que você não vê? Minha vida não poderia me colocar na sua posição. Não faz o menor sentido.
Ela piscou, perplexa.
- Por que você está com tanta raiva?" Página 77.
Não entendi porque tamanho medo e ressentimento de Gurney na relação com o filho. É assim que somos introduzidos aos dois na história, porém não foi assim que ela se desenrolou. Na verdade havia sim algo não resolvido entre os dois, mas percebe-se também muito carinho e respeito da parte de Kyle, um personagem não tão importante, mas atraente. Talvez isso seja melhor explicado em outros livros. Ao mesmo tempo, gostei bastante da personagem Madeleine, esposa de Gurney; ela trazia coerência, tranquilidade e insights enriquecedores ao livro. Quanto a Kim, que parecia tão promissora no início da história, acabou se tornando uma personagem histérica e inútil ao longo do livro. Detestei a garota.
Gostei muito, muito mesmo, do ácido Jack Hardwick, antigo parceiro de Gurney e atual aliado dele. Ficou muito claro que o personagem era a fonte de respostas e dados para o livro, porém isso foi proposto de maneira natural e cada interação entre os dois personagens foi capaz de me deliciar e, muitas vezes, diminuir um pouco a pressão do livro. Hardwick é tão grosseiro e debochado que chega a ser engraçado. E isso fez uma grande diferença – para melhor – durante todo o livro. Espero que ele apareça também em outros livros do autor.
Todo o caso do livro – dos assassinatos do Bom Pastor - é intrigante e inteligente, assim com o personagem, que passa todo o livro em uma névoa de mistério, mas intensamente presente na história. Devo dizer que John Verdon me enganou bem durante o livro, tanto que, quando descobri a verdade, fiquei pasma, mas as explicações foram coerentes e brilhantes. Todo o livro é muito inteligente, porém o autor – pelo menos a partir da segunda parte – conduz o leitor de maneira natural e envolvente, fazendo com que viremos as páginas avidamente em busca da conclusão.
"- E qual é o final feliz? Uma fração de segundo antes da sua cabeça ser estourada eu pulo do céu para salvar você, tipo a porra do Batman?" Página 342.
A edição da Arqueiro é cuidadosa, com um papel de qualidade e uma capa bem feita. No começo achei as letras um pouco miúdas, mas depois me acostumei e entendi o porquê disso, afinal, mesmo com letras pequenas o livro tem boas 400 páginas. Às vezes é melhor uma letra um pouco menor para que o livro continue sendo confortável para ler – não um calhamaço que dá dor nas costas. Mas o que eu realmente não entendi foi a escolha do título brasileiro. “Não brinque com fogo” até faz sentido, mas não é o título ideal, nem a tradução óbvia do original em inglês - Let the Devil Sleep. Entendo que muitas vezes não se pode utilizar a tradução mais óbvia, porém a frase foi traduzida ao longo do livro como “Não acorde o diabo”, o que, na minha opinião, seria um bom título e mais adequado ao conteúdo do livro. Mas isso não é nada que realmente prejudique a leitura, apenas uma observação de uma pessoa meio obcecada assim como o próprio detetive Gurney.
Vale a pena? Muito, principalmente para quem curte o gênero policial. É um livro bem escrito, inteligente e, na maior parte dele, viciante. Até a página 115 eu daria 3 estrelas, porém depois disso o autor me envolveu de tal maneira e trouxe um final tão bom que sou obrigada a ceder de bom grado 4 belas estrelinhas para o terceiro volume da série de John Verdon. E que venham os próximos (mas vou tentar ler os dois primeiros antes, porque fiquei curiosa!).
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