Blog MDL 27/07/2015
Uma história cativante e deveras reflexiva, O Lobo do Mar nos faz viajar não apenas por mares revoltos, mas por uma análise a respeito do ser humanos e de como a vida e pessoas podem ser fascinantes e únicas.
Tendo o autor, Jack London, estado a bordo diversas vezes em escunas de caça, a história, assim como o Ateneu, traz um cunho biográfico onde o autor pôde relatar toda a sua aventura portando não apenas do estudo, mas de um extenso conhecimento empírico.
Começamos a história conhecendo nosso protagonista. Humphrey Van Weyden é um acadêmico que vive com sua mãe e irmãs e à custa do dinheiro do pai. Nunca tendo tido qualquer contato com trabalho físico, os únicos confrontos que já teve na vida foram discussões entre aqueles iguais a ele, onde uma língua afiada era a arma que definia o embate.
A história se passa inicialmente na cidade de São Francisco. Após uma visita a um amigo, Humphrey está retornando para casa, sendo necessário atravessar a baía de São Francisco em uma balsa. Infelizmente, para nosso caro narrador, a balsa sofre um acidente, que leva a embarcação a naufrágio e a todos os passageiros para o mar.
Humphrey, devido a correntezas, acaba se afastando dos demais passageiros, e após horas lutando pela sobrevivência, é regatado por uma escuna de caça e cai inconsciente. Após retornar a si, ele descobre que a escuna Ghost, nome da embarcação que se encontra, está com destino para o Japão, para a temporada de caça às focas. Hump, logicamente, vai de encontro ao capitão do navio, almejando que o mesmo possa voltar e deixá-lo de volta em São Francisco.
O capitão da escuna, Wolf Larsen, é um homem frio, bruto e cruel, que força Humphrey a ficar na escuna, fazendo com que o mesmo, que sempre teve uma vida pacata e regada de mimos, passe a fazer trabalhos manuais dos mais diversos, sendo totalmente exposto a situações de brutalidade extrema e desprovido de todas as regalias de sua vida.
Com seu trabalho pesado e convivência com os outros marinheiros, Hump descobre que, apesar de toda sua brutalidade maquiavélica e predestinação à maldade, Wolf Larsen é um autodidata letrado, que tem como hobby ler as mais diversas obras dos mais diversos pensadores, o que faz com que o marinheiro de primeira viagem e o cruel capitão formem um laço através de suas discussões sobre o bem e o mal, a existência da alma e a busca pela felicidade.
O livro é incrível não apenas pelo porte autobiográfico que carrega, mas pelos personagens carismáticos que tem. Humphrey, estudioso como é, não consegue parar de notar todas as diversas nuances de personalidades dos demais trabalhadores do navio e suas descrições não apenas enriquecem o texto, como traz notas bastante interessantes. É deveras intrigante quando paramos para perceber que a escuna e sua tripulação formam uma mini sociedade, onde a hierarquia por vezes é definida não apenas pela força bruta, mas pelas habilidades e cada tripulante. Porém, apesar de ser um personagem carismático, o protagonista consegue, a meu ver, ser totalmente ofuscado por seu antagonista.
Wolf Larsen é um homem que é muito mais do que aparenta ser. Por trás de uma beleza rústica (todo o momento descrita pelo Hump, vale ressaltar), bom porte físico e falta de escolaridade, ele é um homem que procurou educar-se por conta própria e sofre por não ter com quem compartilhar aquilo que aprendeu, pois em sua tripulação, mesmo entre os poucos que tem alguma noção de alfabetização, não há ninguém que tenha remoto interesse pelos livros e discussões do capitão.
Temos então um personagem que é bruto e fisicamente forte, mas que, ao mesmo tempo, tem um conhecimento intelectual invejável e opinião forte e formada a respeito dos mais diversos e polêmicos temas da humanidade. Sua maldade e brutalidade são justificadas por sua inclinação às teorias de Darwin. Para ele, a seleção natural é o que move o mundo. Então sim, o capitão irá te atacar, e se você não aguentar é porque não era forte o suficiente.
As discussões entre os personagens são extremamente edificantes. Trazem referências a diversos autores, filósofos e pensadores do século XVIII e nos dão uma visão panorâmica e densa de cada um deles, fazendo com que eles tomem uma forma por terem pensamento, opinião e ideologias.
Infelizmente, nem tudo é maravilha neste livro.
Jack London nunca enganou ninguém, ele gostava de escrever, mas mais do que isso, gostava de receber pelo que escrevia. Para isso, o autor precisava colocar elementos em seu livro que interessasse os leitores para que eles viessem a “consumir” seu produto final. E o que é de conhecimento geral que move a grande massa de pessoas? Um romance.
O clima tenso e magnético entre Humphrey e Wolf Larsen tornou-se quase palpável, creio que devido a ambos os personagens serem, apesar de opostos, baseados no próprio autor. Então, optando por evitar um envolvimento maior entre eles e para atrair mais compradores, ele introduz, próximo ao fim da história, a Srta. Maud Brewster.
O propósito da personagem foi cumprido. O livro vendeu bastante e tornou-se Best-seller, porém a história sofreu e muito com isso.
A dinâmica dos personagens foi totalmente alterada, perdemos todo o brilhantismo do Hump, que passou a ficar páginas e páginas ansiando por sua amada e mesmo Wolf Larsen, que tinha seus atos justificados por suas ideologias, passou a agir brutalmente por pura maldade.
O livro tinha um potencial incrível e, se continuasse na mesma linha que vinha por dois terços da história, teria provavelmente se tornado um épico. Esse é um dos maiores exemplos de como um romance pode arruinar uma história.
Porém, mesmo com esse final que deixa a desejar, afirmo com total convicção que "O Lobo do Mar" está na minha lista de livros favoritos da vida. É uma leitura de fácil entendimento, que faz o leitor refletir todo momento sobre os mais diversos temas e confronta tudo aquilo que carregamos como verdade absoluta dentro de nós.
site: http://www.mundodoslivros.com/2015/07/resenha-especial-o-lobo-do-mar-por-jack.html