jota 08/10/2020BOM (uma história para vomitar, outra para alucinar, mas tudo termina em Paris...)Minha terceira leitura de César Aira: antes um ótimo conto, Muchacha Punk, numa coletânea de autores sul-americanos, depois o interessante Continuação de Ideias Diversas, livro em que a maioria dos textos, bastante curtos, tratava de literatura. Agora registro que não apreciei tanto assim Como Me Tornei Freira, que traz duas novelas, ambas tendo como referência Coronel Pringles, cidade argentina em que Aira nasceu em 1949.
Nas duas ele é tanto narrador quanto personagem. Na primeira, personagem principal, na segunda, coadjuvante, amigo do personagem central: está a fazer autoficção macabra em ambos os casos. Mas antes delas temos um texto de apresentação de Sérgio Sant’Anna, O Jogo das Possibilidades Infinitas, que pode ser muito útil para quem vai ler Aira pela primeira vez. Nele, o autor brasileiro faz a louvação do argentino, destaca as características de sua literatura e discorre sobre o motivo de Aira ser considerado cult entre outros escritores latino-americanos.
De volta: tudo é muito alucinado, alucinante nessas novelas, tanto em Como Me Tornei Freira quanto na história seguinte, A Costureira e o Vento, esta ainda mais surrealista do que a primeira. E, portanto, mais engraçada, ou trash, se pensarmos em termos de cinema, possibilidade que vem muito à cabeça enquanto se lê este volume de Aira. Tudo que lemos é bastante estranho, embora todas as coisas pareçam muito lógicas narradas pelo autor, fazem sentido no seu universo literário.
Na primeira história ele é tanto um menino (sua aparência exterior) quanto uma menina de seis anos (como ele se vê) que, levada pela primeira vez a uma sorveteria pelo pai, toma um sorvete de morango estragado ou envenenado, o que dá início a uma série de mal entendidos que terminam numa história macabra, excêntrica, contudo muito pouco engraçada (eu não achei). O que o personagem definitivamente não é nem parece ter vontade de ser, é monge ou freira, para lembrar o título da novela, que foi usado apenas ali e não mais mencionado no restante da história. Mas o menino César certamente irá para o céu no fim. E tudo termina em Coronel Pringles mesmo...
Em A Costureira e o Vento, as coisas mudam um tanto. O amigo de César (um pouco mais velho agora), o garoto Omar, filho da tal costureira do título (por quem o vento se apaixona e dela se torna amigo e protetor) desaparece misteriosamente durante um jogo de assustar, que ambos brincavam no reboque acoplado de um caminhão que estava indo para o sul do país. Com o desaparecimento de Omar, a costureira aluga um táxi e sai atrás desse caminhão, em busca do filho. Depois, outros personagens irão atrás dela e todos acabam parando numa Patagônia alucinada.
É tanta alucinação, tanta excentricidade, que não tem como não achar a história engraçada. Daria um ótimo filme trash, talvez, pois conta com, entre tantas aberrações, um bebê monstro (como ele vem ao mundo é uma das coisas loucas deste livro) e um Paleomóvel, veículo que um personagem monta a partir do fóssil de um tatu gigante da era paleozoica mais o motor e as rodas de seu velho Chrysler, inutilizado agora. Ele funciona, claro! E tudo termina em Paris, cidade muito apreciada por escritores latino-americanos há décadas...
Como me tornei freira: 2,8/5,0
A costureira e o vento: 3,2/5,0
Lido entre 02 e 07/10/2020.