Michele Duchamp 05/05/2021Uma boa maneira de manifestar ódio por si mesmo é ler Olavo de Carvalho.Olavo de Carvalho se tornou a cara e o símbolo da “nova direita”. Para entender politicamente como pensa esse espectro, esse livro, na verdade uma coletânea de artigos, é quase fundamental.
Embora nem todo direitista político goste de ou leia Olavo, quase todos reproduzem suas idéias e comportamento.
O autor não dá um momento de paz. E aqui explico: é aquela pessoa que precisa transbordar veneno, então não passa uma frase sem alfinetadas. Exemplo, quando ele escreve aqui: “Sir Walter Scott, que a maioria só conhece como romancista, mas que foi também excelente historiador…”. É uma necessidade quase física de sempre reiterar o quão ele diverge da maioria burra que só aprende o que está à mostra, que nunca sabe ir mais fundo para buscar por si as informações.
GUERRA CONTRA O DIPLOMA
Concordo com a crítica inicial de que diploma não obrigatoriamente traduz-se em competência ou inteligência. Mas dizer que ele não tem nenhum valor e que nas universidades só existem esquerdistas, é muito injusto.
Autodidatismo não é o último degrau da evolução estudantil. É verdade que é melhor estudar sozinho do que não estudar, mas ainda melhor é você estar inserido numa comunidade de estudantes que te ajudem a corrigir seus erros. Caso contrário, há um risco de você achar que é mais inteligente do que realmente é. A síndrome de ”agora que estou estudando sozinho, ninguém me segura!”, rs
Essa mentalidade de desprezo profundo ao diploma talvez explique os vários casos recentes de ministros mentindo no currículo sobre graduações, pós, cursos e afins.
Pensamento olavista: "Brasileiro é subserviente em relação ao fato do sujeito ter grau universitário". Certa mesmo é essa reação que - diz ele - suscitou ao dizer que era um filósofo:
“Longe do Brasil, encontrei enfermeirinhas, caixeiros de loja e operários da construção civil que, ao saber-me autor de livros de filosofia, arregalavam dois olhos de curiosidade, me crivavam de perguntas e me ouviam com a atenção devota que se daria a um profeta vindo dos céus. Por incrível que pareça, interesse e humildade similares observei entre potentados da indústria e das finanças, figurões da mídia e da política. Até mesmo professores universitários, uma raça que no Brasil é imune a tentações cognitivas, mostravam querer aprender alguma coisa.”
Atenção devota e olhinhos piscando, reação correta, tudo isso só porque alguém disse ter escrito livros sobre filosofia. E é um diploma, que traz embutida pelo menos a capacidade teórica de fazer isso, que as pessoas não devem valorizar? Ou seria um caso de qualquer reverência a mim é justificada, mas aos outros, nenhum reconhecimento deve ser dado? Percebam o tom de zombaria em “enfermeirinhas”.
A ELITE INTELECTUAL ESTÁ SEMPRE ERRADA
Olavo de Carvalho já repetiu muitas vezes que “no Brasil, ninguém nunca lê nada”. A mente do autor trabalha sempre no modo extremista, na base do se ninguém lê o que eu leio, é porque não lê nada. E se lê muito, são só livros ruins. Não tem como acertar nunca se você não paga pedágio intelectual ao Olavo.
A CONTRACULTURA FOI UM BANDO DE MIMADOS QUE ASSASSINARAM A ALTA CULTURA
Nas palavras dele:
“Transmutada ela própria em cultura dominante, a onda contracultural cristaliza-se em inversão compulsiva, mecânica e burra, de todos os valores e de todos os princípios. No prazo de uma geração, os mais altos conhecimentos, as mais ricas e delicadas funções da inteligência, os valores mais essenciais da racionalidade, da moral e das artes cedem lugar à repetição maquinal de slogans e chavões carregados de ódios insensatos e apelos chantagistas."
O autor não consegue simplesmente discordar porque, para ele, as mudanças culturais foram uma ofensa pessoal.
Você realmente acredita que vivíamos no mundo fantástico de Bob antes da década de 60? Assista Mad Men, uma série em que as pessoas daquela época são simplesmente apresentadas como são, sem nenhum personagem que seja o contraponto destoante retirado da nossa atualidade com falas para ir contra o sistema. Não, lá as pessoas são deixadas livres para manifestarem sua mentalidade. Isso torna tudo muito mais assustador. É preciso entender de onde saímos para não ficarmos como os judeus naquela passagem da Bíblia que, depois de serem libertados da escravidão, se cansaram da vida dura no deserto e ficaram com saudades das cebolas do Egito, onde eram escravos, querendo voltar para lá.
SÓ OS CLÁSSICOS PRESTAM - EXCETO BERTOLT BRECHT, SARTRE, NIETZSCHE, VOLTAIRE E “TUTTI QUANTI” . E SE VOCÊ DISCORDA, É PORQUE É BURRO.
Em um certo trecho, ele fala o seguinte:
"Só de andar pelas ruas, o cidadão aí pode enxergar os marcos que o situam num lugar preciso do mapa histórico, desde o qual ele pode medir quanto tempo as coisas duraram e qual a sua importância maior ou menor para a vida humana.
Se olha para os cartazes dos teatros, nota que certas peças estão sendo reencenadas este ano porque são reencenadas todos os anos, ao passo que outras, que fizeram algum sucesso no ano passado, desapareceram do repertório. Basta isto para que adquira um senso da diferença entre o que importa e o que não importa.”
Aqui ele confunde os conceitos de durabilidade e de qualidade, como se obras de arte magníficas são apenas aquelas que atravessam gerações ininterruptamente. Mas algo pode ser perfeitamente adequado à expressão artística de uma época, ser realmente algo superior, mas ter finitude. Se até nós homens somos mortais, por que não também nossas obras, por melhores que sejam?
Resumo:
Nunca vi ninguém citar que leu tal autor = totalmente desconhecido no Brasil.
Pessoa diz que gosta de Chico Buarque, Caetano Veloso etc = É estúpida, os acha o suprassumo da cultura, não entende nada de Aristóteles e escuta funk.
NAZISMO É DE ESQUERDA
Motivo: nazismo vem de nacional-socialismo (em alemão “Nationalsozialismus”). Socialismo, portanto de esquerda. Caso encerrado, terra arrasada, fim. Próxima.
Li a biografia de Hitler escrita por Ian Kershaw e ficou evidente que o nazismo é ideologicamente de direita. A seu modo, os direitistas têm práticas associadas ao socialismo.
Então vamos lá, analisemos a palavra nacional-socialismo. O nacional é a ênfase. É um socialismo, um privilégio de igualdade para os amigos. Que amigos? Os nacionais. Que são os alemães. Mas lembrem-se: os verdadeiros alemães são os arianos, puros e que não sofreram lavagem cerebral pelo judaísmo.
Isso não quer dizer que a esquerda também não esteja “trabalhando para o Führer”. Ela está, com sua apologia à eutanásia e aborto, por exemplo. Mas essa discussão ficaria longa demais e só porque eles têm uma área em comum, não fazem das duas coisas a mesma.
Hitler era de fato, um homem moderno à primeira vista, com esse lado socialista. Até que você olhasse mais de perto. Ele defendia que as divisões de classe deveriam ser abolidas, que não deveriam ter áreas vip separadas em cruzeiros, que a educação deveria ser de ponta para todos e não só para a classe alta. Mas “onde está o gato”? Simples: esse “todos” eram na verdade os alemães brancos - os únicos alemães possíveis.Entre os alemães, deveria haver igualdade e tratamento digno. Quanto ao restante, “já era suficiente saber ler uma placa na rua”.
MACHISMO VS FEMINISMO
Em seu artigo “Uma Breve História do Machismo”, ele nada mais faz do que descrever de forma deturpada a vida de uma ínfima parcela de mulheres brancas e extremamente bem nascidas de algum país europeu para dizer que mulheres nunca sofreram um único preconceito na vida e tudo é fruto de histeria.
Para convencer homens da direita sobre a malignidade de qualquer coisa, temos que fazer como na época de Pablo Escobar; Ronald Reagan não estava tão afoito para acabar com o narcotráfico até que surgiu uma foto ligando Escobar aos comunistas. De repente, o DEA conseguiu todo o suporte financeiro que precisava.
Se conseguirmos colar o comunismo no machismo, vencemos, rsrsrsrs.
Toda mudança cultural vai trazer grandes ondas de reações violentas. Isso é perfeitamente normal e esperado. Tenhamos paciência com as pessoas e continuemos o nosso trabalho.
RACISMO NO BRASIL É LEVE
Vindo de um homem branco que mora há 15 anos fora do Brasil, essa frase soa um pouco precipitada.
Há racismo em todos os espectros políticos. Mas somente na direita eu notei o conforto que eles sentem nessa posição preconceituosa. Por exemplo, ouvi mais de um conservador falar abertamente que não sente atração sexual por negros, como sendo algo legítimo, e não um sintoma de algo maior, que precisasse ser resolvido.
Embora Olavo cite que sempre houve escravidão de negros contra negros na África e que os brancos também foram escravizados - verdade - o que ele não fala é que:
1- os negros ficaram marcados pela cor por conta da escravidão, coisa que não aconteceu com a etnia branca;
2- eram povos teoricamente incivilizados. O homem branco veio como “pessoa de um mundo mais esclarecido” e ao invés de ajudar o seu irmão, se aproveitou da fragilidade dele. Essa é a superior Europa.
“Alemanha, Alemanha
Ouvindo as falas que vêm da tua casa, rimos.
Mas quem te vê, corre a pegar a faca
Como à vista de um facínora.” - Bertolt Brecht
Como pode ser normal, em um país mestiço como o nosso, a maior parte dos papéis na mídia (de novelas a programas jornalísticos) serem de pessoas com as características físicas que compõem menos da metade do país? Será normal que para eu me sentir representada precise ver filmes indígenas ou de Bollywood? Não me levem a mal, consigo me conectar com pessoas de todas as cores, sem problemas. Infelizmente, aparentemente, os brancos não conseguem se conectar comigo ou com gente mais escura do que eu - é só isso que eu gostaria que mudasse.
NÓS CONTRA ELES
Olavo na citação abaixo está falando da mentalidade fanática que possuem os seus desafetos esquerdistas. Mas pense nas falas dele criticando os comunistas e veja a mágica acontecer:
“O que o fanático nega aos demais seres humanos é o direito de definir-se nos seus próprios termos, de explicar-se segundo suas próprias categorias. Só valem os termos dele, as categorias do pensamento partidário. Para ele, em suma, você não existe como indivíduo real e independente. Só existe como tipo: “amigo” ou “inimigo”. Uma vez definido como “inimigo”, você se torna, para todos os fins, idêntico e indiscernível de todos os demais “inimigos”, por mais estranhos e repelentes que você próprio os julgue.” - Olavo de Carvalho
Agora Olavo de Carvalho sobre como discutir com esquerdistas:
“O único debate eficiente com esquerdistas é aquele que não consente em ficar preso nas regras formais num confronto de argumentos, mas se aprofunda num desmascaramento psicológico completo e impiedoso. Provar que um esquerdista está errado não significa nada. Você tem é de mostrar como ele é mau, perverso, falso, deliberado e maquiavélico por trás de suas aparências de debatedor sincero, polido e civilizado. Faça isso e você fará essa gente chorar de desespero, porque no fundo ela se conhece e sabe que não presta. Não lhe dê o consolo de uma camuflagem civilizada tecida com a pele do adversário ingênuo.”
Agora, Adolf Hitler, 30 de março de 1941:
“Choque de duas ideologias. Denúncia esmagadora do bolchevismo, identificado com a criminalidade social. O comunismo é um perigo enorme para nosso futuro. Devemos esquecer o conceito de camaradagem entre soldados. Um comunista não é nenhum camarada antes ou depois da batalha. Esta é uma guerra de aniquilação. Se não compreendermos isso, poderemos ainda assim bater o inimigo, mas trinta anos depois teremos de lutar de novo contra o inimigo comunista. Não travamos uma guerra para preservar o inimigo.”
Eis o espírito do livro:
Em 500 anos de história, não há no Brasil UM SÓ exemplo de cultura ou inteligência. Este é um país que está no caminho errado, fazendo o que não quer e buscando entretenimentos desprezíveis e vulgares, quando não deprimentes. Em todo o campo científico/filosófico/cultural não há UM ÚNICO exemplo de (...). A dominação/ideologia foi BRUTAL e APOTEÓTICA pois (...)
Quem esteja consciente dessas coisas não poderá NUNCA deixar de admitir que (...)
Mas não foi apenas a destruição completa que a pessoa de ideologia (...) fez, mas algo ainda pior (...)
Fui o PRIMEIRO a alertar que (...).
Situação (...) no Brasil é a praga mais nefasta que pode atingir uma civilização.
Alguém que não compreende os pressupostos básicos de Aristóteles, não tem condições de opinar sobre ABSOLUTAMENTE nada.
HÁ ANOS venho tentando chamar a atenção dos meus compatriotas em relação a (...).
Ao mesmo tempo, ele e seus seguidores defendem o nacionalismo, com suas camisas verde-e-amarela, "nosso país nunca será vermelho" etc. Mas é esse povo descrito acima que é supostamente em sua maioria conservador, sem ninguém que o represente na classe política. O mesmo povo que Olavo de Carvalho julga serem os habitantes de um país especialista em tudo que é grotesco, sempre fazendo contraponto aos americanos. Maravilhosa América, terra das oportunidades , do "self-made man", lugar onde até crianças de 6 anos de idade sabem da luta entre a tradição dos republicanos salvadores da pátria e a vulgaridade democrata. Capitão América vs. Zé Carioca. Diligência americana vs. morosidade latina. Loiros de olhos claros bem-sucedidos que andam de avião (ou negros que se comportam como tais) vs. negros, morenos, pardos, brancos queimados que nunca negam sua origem étnica.
Minha opinião: discordei de muita coisa no livro e mesmo nos tópicos em que concordo com as linhas gerais , acredito que as questões foram mal abordadas pelo autor.
Analisando psicologicamente, às vezes eu acho que os conservadores querem chocar, querem te ver rasgar as vestes por coisas até realmente abomináveis, mas também querem teu ultraje perpétuo frente a condutas que são irrelevantes. Mas o equilíbrio emocional é importante. Não se desesperar e não pensar que os outros estão sempre errando pelo pior motivo possível.
Como você lida com coisas “inaceitáveis”? Como lida com um racista, por exemplo? Se não há compaixão aliada ao sentimento de justiça, estaríamos lá para atirar as pedras. Pedras “justificadas”.