Kath 07/07/2018
Sombrio, realista e magistralmente montado!
Está aqui um livro que eu quis pegar antes de sonhar em ver o filme porque o trailer do filme me chamou muito a atenção, mesmo que eu não curta essa pegada grotesca de filme policial cheio de sangue. Contudo, depois que li o livro reconsiderei a ideia de ver o filme, não apenas por saber que ele vai ser muito mal feito, mas porque tenho medo de que pelo menos as mortes sejam sombriamente fiéis ao livro.
Boneco de Neve apresenta várias tramas distintas que são costuradas à trama principal de Harry Hole, um inspetor da Homicídios que tenta vencer o vício do álcool e é o único policial da Noruega que já prendeu um serial killer. Hole tem um passado meio obscuro podemos dizer e, pelo que pude entender, esse livro é o sétimo de uma série de dez, portanto, apesar de ser um caso totalmente diferente, esse personagem já foi construído nos livros anteriores da série o que torna nosso primeiro encontro - desvinculado dos demais - um pouco nublado. Sabemos que ele ainda é apaixonado pela ex, Rakel, que agora está em outra com um médico e pretende morar junto
Harry ainda é muito próximo de Oleg, o filho de Rakel, que considera tudo que ele diz e não parece ter a mesma proximidade com Mathias, o médico que promete ser seu futuro padrasto. Quando mulheres começam a desaparecer misteriosamente sem deixar qualquer vestígio, Harry se vê envolvido no que parece ser o assassinato perfeito, e apenas quando a cabeça de uma delas é encontrada sombriamente em um boneco de neve que as coisas começam a caminhar a passos lentos. Ao lado de Katrine Bratt, uma detetive obstinada e inteligente que esconde um passado sombrio, o caso das mulheres desaparecidas começam a se ligar ao sumiço de um ex-policial anos atrás, mas cada vez que Harry parece chegar perto do assassino este se esquiva das suas investidas e derrete como a neve com a chegada da primavera.
As investigações vão avançando e notei um padrão entre as mulheres que, a primeira vista, Harry deixou passar: todas elas eram infiéis aos seus maridos. Contudo, mais para frente ele consegue chegar a esse ponto ao determinar que tanto as gêmeas de uma das vítimas quanto o filho da outra não eram filhos de seus maridos, mas de um outro personagem da trama. Porém, as pistas que ligam esse personagem aos crimes também se mostram falsas e o verdadeiro assassino continua a matança brincando com Harry de gato e rato.
O livro é um verdadeiro quebra-cabeças cheio de personagens complexos que se interligam em algum ponto para formar um desfecho realmente inesperado e toda essa colcha de retalhos é tão bem costurada por Nesbø que nos vemos roendo as unhas em cada gancho que ele deixa de um pulo para outro no enredo. Sempre que pensamos ter pego o boneco de neve, sentimos a frustração de ter nossas especulações dissolvidas pela genialidade da trama criada pelo autor e, confesso, fui pega totalmente de surpresa no plot twist porque em nenhum momento desconfiamos desse personagem. Até mesmo o prólogo do livro parece inocente a primeira vista e somente quando o revisitamos é que conseguimos entender o tom sombrio que se esconde nas entrelinhas.
As personagens de Nesbø são bem atuais, gente com uma personalidade que se encaixa no vizinho do lado, no amigo de fim de semana, no criminoso do jornal. Além de trazer muitos planos de fundo históricos e curiosidades verdadeiramente interessantes (como o fato de apenas uma em cada cem pessoas ter sangue B negativo), ele cria um assassino serial inteligente, meticuloso, com um nível de habilidade digno do light de death note! E que, não fosse um insight de Harry em determinada situação, teria saído ileso dos seus crimes. Sem contar que tem muitas questões sociais implícitas que são secundariamente pré-debatidas no enredo como o abandono paterno e o aborto, além do liberalismo sexual feminino.
Em certos momentos achava a trama um pouco "seca", como se a história estivesse sendo contada por um apresentador de telejornal, mas já percebi que isso é muito recorrente comigo quando leio livros narrados por homens e escritos por homens (não sei a razão ainda), em algumas situações a narrativa é bem crua, mas o modo como a história é montado mantem o leitor preso nas páginas até o desfecho que, mesmo surpreendente e fechadinho, não supriu totalmente as minhas expectativas, todavia, do mesmo modo de Reconstruindo Amélia, Boneco de Neve é uma verdadeira aula de como escrever uma ficção policial magistral, bem montada e com personagens tão bem desenvolvidos que chegam a ser palpáveis. Mais que recomendado.