Núbia Esther
23/11/2012Yambo é um senhor de idade, que após salvar-se de uma grave doença e voltar do coma não se lembra de fatos da sua vida. O ano do “despertar” é 1991 e cada redescoberta de Yambo após voltar do coma é comparada com referências mil de Shakespeare, passando por Doyle até a Rainha do Crime, mostrando que sua memória semântica está em perfeita ordem e dando olé em muitas memórias por aí, já sua memória autobiográfica vai de mal a pior…
“[...] Dizem que os gatos, quando caem da janela e batem o nariz, não sentem mais os cheiros e, como vivem do olfato, não conseguem mais reconhecer as coisas. Eu sou um gato que bateu o nariz. Vejo coisas, entendo com certeza do que se trata, lá embaixo as lojas, aqui uma bicicleta que passa, lá as árvores, mas não… não os sinto em meu corpo, é como se tentasse enfiar o paletó de um outro.”
É tempo de redescoberta. Yambo precisa resgatar fatos e pessoas da sua vida e sua esposa Paola lhe sugere uma temporada na casa de sua infância em Solara, entre os muitos tesouros guardados no sótão da velha casa. E nessa busca pelas memórias, Eco nos convida a um profundo mergulho com seu protagonista, um mergulho repleto de textos, imagens, sons, lembranças… É assim que Yambo nos presenteia com inúmeras citações e referências literárias, algumas com tanta precisão que podem deixar um leitor cheio de manias ressabiado com tantos spoilers (pelo menos dos livros que ele pretende ler). Os períodos históricos que marcaram a vida do protagonista também são relembrados, década de 30, crescimento do regime fascista, Segunda Guerra Mundial… todos pontuados por um comentário sarcástico ali uma releitura de um acontecimento acolá e muitas curiosidades. E aos que nutrem admiração pelas obras icnográficas, o romance, por se tratar de uma obra ilustrada, é um prato cheio de gravuras, capas de revistas, ilustrações e capas de livros antigos, cartazes, embalagens, posteres, HQ’s…
O tesouro de Yambo vai servindo ao seu papel de resgate da memória e com o desvanecimento da névoa, acontecimentos marcantes nos são revelados, amores antigos, amores perdidos, a forma como a Segunda Guerra marcou à ferro e fogo a mente juvenil. Ao longo da narrativa personagem e autor se misturam, é impossível não perceber que tem muito de Eco em Yambo e o lirismo que o autor consegue impingir nas reminiscências de Yambo provavelmente só foi possível por ele mesmo ter vivido muito do que é retratado ali. Ainda tenho Baudolino como meu romance favorito de Eco, mas a leitura desse romance aqui me deixou com mais vontade ainda de conhecer as outras obras desse autor. Já que A Misteriosa Chama da Rainha Loana é considerado por uns o seu pior romance, só posso esperar boas leituras dos próximos na lista de leitura.
[Blablabla Aleatório] - http://feanari.wordpress.com/2012/11/19/a-misteriosa-chama-da-rainha-loana-umberto-eco/