Izabella.BaldoAno 29/02/2024
Uma água-viva pode ser tão bela quanto perigosa. seus tentáculos são fluidos e atraentes; representam, talvez, antes de saber-se da dor causada por eles, a beleza do prazer desconhecido. a própria fluidez e imensidão da água, organismo vivo, é de causar um deslumbramento sem precedentes - também o desconhecido ali se faz beleza, prazer e dor.
a Água Viva de Clarice Lispector também se emaranha pelos caminhos da fluidez. aqui não se pode com muita certeza definir, por exemplo, um gênero literário já dado.
ao acompanhar essa narrativa que, em primeira pessoa, se dirige a uma segunda pessoa, não consigo presumir com muita segurança se a narradora se dirige a nós ou a outrem. não consigo dizer se a narradora é uma personagem ou a própria Clarice, despida de pudores, arriscando tecer uma trama de confissões tal qual se pinta uma dela abstrata e experimental.
Água Viva é um livro confuso e fantástico. cheio de reflexões marcantes, de saltos por temas que impressionantemente se conectam, de frases pra guardar pra vida. no posfácio de Eucanaã Ferraz, ele ousa afirmar que "em Água Viva, estamos próximos do que seria, na escrita, um expressionismo abstrato".
a própria narradora (ou a própria autora), aqui, nega qualquer tentativa de definição ou significação precisa, ela mesma demonstrando confusão sobre as formas de sua escrita: "na verdade ainda não estou vendo bem o fio da meada do que estou te escrevendo. acho que nunca verei - mas admito o escuro onde fulgem os dois olhos da pantera macia. a escuridão é meu caldo de cultura. a escuridão feérica. vou te falando e me arriscando à desconexão: sou subterraneamente inatingível pelo meu conhecimento.
escrevo-te porque não me entendo".
Água Viva tem essa beleza escancarada de algo que ousa adentrar na fluidez do que é desconhecido e do que recusa a precisão das formas pré-estabelecidas.