Fernanda M. 11/02/2024
Fim, de Fernanda Torres
Eu nunca tinha lido nada escrito pela Fernanda Torres. Esse livro iniciou com a apresentação de uma personagem detestável, o Álvaro. Como alguém que tem a vida chegando ao fim, ele encontra-se em uma crise existencial e começa a lembrar dos amigos, suas farras, quem já se foi e uma de suas maiores preocupações é saber quem irá em seu enterro.
Eu não busquei informações sobre o livro, preferi descobri página por página como iria ser conduzida por essa história e me debrucei a detestar cada um desses narradores-personagens, com zelo e dedicação. Com este primeiro, foi muito fácil odiar, tanto por sua indisposição para viver quanto por sua genuína agressividade.
Ao dar continuidade, percebi o quanto os fins são inimagináveis, principalmente os fins das nossas vidas. Nunca se sabe quando a morte vai vir cobrar o seu quinhão e nos arrebatar para o vazio eterno (para os menos religiosos) ou para queimar no fogo dos infernos para quem acha que não deve nada nessa vida.
Você já imaginou como será a sua própria morte?
Quando concluí a história da vida de Álvaro resolvi seguir e dei de cara com Silvio. Pensei que este outro homem poderia ser uma personagem mais querida, mas continuamos uma saga de personagens detestáveis e nesse caso, digno de ojeriza.
A autora parece ter feito um compilado minucioso de homens saídos diretamente do ventre da burguesia branca misógina carioca, mas que poderia ser de qualquer outro lugar do país. Esta foi uma leitura tão desafiadora, quanto foi "Lolita", de Vladimir Nabokov. Se você é do tipo que prefere as personagens queridas e fantasiosas, talvez não sirva para você. Este livro é o puro suco da realidade heteronormativa que vivemos dia após dia.
Superei Álvaro, Sílvio, Ribeiro e encontrei com Neto. Neto, o único homem negro da teia construída pela minha chará. Um homem com desejos sórdidos e índole duvidosa, mas que sempre se sentia tolhido pela cor da pele e as discriminações racistas que sempre teve de enfrentar. Neto era o mais certinho, o mais caseiro, o menos corrupto, mas era uma boa bisca. A jornada é longa e eu ainda vou ter que encarar Ciro!
Ciro também não me ganhou pelo caráter, ou pela beleza tão bem descrita. Mas é de longe o mais curioso e instigante das personagens. Um homem que se casou com a mais bonita e maravilhosa das mulheres da época, mas que não foi suficiente. Ele sentiu com o tempo que precisava sentir quando em vez, novamente aquela sensação da defloração virginal da esposa, mas o tempo é cruel e o relógio só gira para frente.
Em meio a essa inquietação do Ciro, ele não consegue dizer que não deseja mais o casamento. Não consegue ir embora de forma honesta e faz sua esposa Ruth sofrer uma violência psicológica, o "gaslight". Sua falta de dignidade o fez permanecer sozinho, como deveria ser, mas não o suficiente. A vida real nem sempre significa que estamos vivendo o que gostaríamos de viver.
E é por isso, que eu cheguei ao fim da leitura. Porque quando você começa a entender que nenhum daqueles homens e nenhuma daquelas mulheres estava fazendo exatamente o que gostaria de ter feito da própria vida, então, você compreende que viver é difícil demais e por pior que sejam as escolhas que fazemos, elas são só as escolhas possíveis. Não estou isentando ou passando pano para as ações detestáveis das personagens, mas ressaltando a importância de refletirmos sobre nosso próprio viver, nossa própria existência.
Lembrei-me da pergunta que o Padre Graça fez no velório de Álvaro: "Quem será o próximo"? Essa é uma pergunta que arremata todas as pontas soltas deste romance, apesar de parecer de muito mau gosto, é necessária. Claro que uma pergunta assim, fica quase sempre sem resposta, mesmo porque, quem desejaria entrar na fila da morte?
Quando o fim chega para os outros acontece como um despertar para quem ainda está aqui e não conta com a chegada do fim para si! Para mim, o fim estava ali, pelo menos o fim da leitura. Cheguei de forma inesperada e fiquei triste porque acabou. Queria xingar todos eles (Álvaro, Sílvio, Ribeiro, Neto e Ciro), encontrar uma forma de vingar todas as mulheres que eles fizeram sofrer, mas principalmente, tentar entender como é chegar ao fim e se dar conta de que ainda faltava muito por fazer.
A Fernanda Torres, que me perdoe, mas eu acho que eles mereciam uma lápide, cada um. E por isso, tomo a liberdade de escrevê-las aqui abaixo, de acordo com o que eles viveram e por me deixarem com tanta saudade:
Álvaro - "Por que não desejou, morreu indesejado"
* 26 de setembro de 1929
+ 30 de abril de 2014
Sílvio - "Libertino e infiel a si mesmo"
* 13 de junho de 1933
+ 20 de fevereiro de 2009
Ribeiro - "O vigor dos anos o abandonou à própria sorte"
* 4 de setembro de 1933
+ 13 de novembro de 2013
Neto - "Bom marido, pero no mucho"
* 27 de dezembro de 1929
+ 30 de abril de 1992
Ciro - "Apagou a própria luz".
* 2 de fevereiro de 1940
+ 4 de agosto de 1990
Gostaria de estar de "ressaca", mas estou "enlutada". Fim.