Davi Busquet 08/04/2021
Os limites da empatia
A ficção científica, sempre empenhada em descrever a artificialidade, já apresentou incontáveis maneiras através das quais uma inteligência "fabricada" expressaria seus desígnios e desejos em relação aos seus criadores, os seres humanos. Da obliteração completa até a transcendência intelectual, as IAs já experimentaram de tudo no meio literário. Contudo, e se a reflexão não mais se encontrar no campo da consciência e sua inteligência objetiva, racional, e sim em algo mais sutil, como a empatia?
A capacidade de se colocar no lugar do próximo, compreender seus sentimentos e entender as consequências da felicidade e do sofrimento, quando estes são aplicados a outro ser, é uma característica puramente humana. Será? Como toda boa reflexão de Philip K. Dick acerca da realidade concebida, esta é outra que se camufla na ficção científica para levantar mais uma polêmica: o que faz de uma entidade um ser humano?
No mundo de "Blade Runner", livro inicialmente batizado de "Androides Sonham com Ovelhas Elétricas?", androides são seres artificiais proibidos na Terra futurista e arrasada por sucessivas guerras nucleares. Porém, diferentemente da imagem tradicional de robôs metálicos com fios e engrenagens à mostra, androides são fisicamente idênticos aos seres humanos (às vezes, até mesmo, superiores).
Seu corpo, órgãos e tecidos sintéticos são fabricados para se tornarem indistinguíveis de um sistema orgânico humano (imitando inclusive a inteligência e a consciência), mas com apenas uma exceção: a empatia. Androides não sentem apreço pela vida de seres humanos. Androides não lamentam nem mesmo a vida de seus semelhantes ou a própria, tamanha a indiferença que a falta de empatia causa em suas personalidades artificiais.
Philip K. Dick, mais do que especular um futuro improvável — onde máquinas orgânicas em tudo nos superam, em um mundo estéril e abandonado em prol de colônias em outros planetas —, cria uma dúvida fundamental no coração e mente de cada leitor, quando o desafia a provar para si mesmo até onde vai sua própria humanidade e empatia, e se esta última está assim tão longe da simulação de personalidade que um ser artificial de fato expressa quando tenta imitar a verdadeira vida.
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