Daniel 01/04/2014Presente para os SmithsmaníacosÉ surpreendente a quantidade de informação e a reconstituição minuciosa dos cinco anos que os Smiths existiram de maio de 1982, quando Johnny Marr foi procurar Morrissey, até junho/agosto de 1987, quando o mesmo Johnny Marr decidiu deixar o grupo.
O autor Tony Fletcher fez um trabalho excelente, de pesquisa detalhada, situando o leitor sobre a importância de Manchester no século XIX e sua decadência na segunda metade do século XX. São apresentadas as origens irlandesas da famílias de Morrissey e Marr, as coincidências de seus gostos musicais e influências, os amigos em comum na cena punk de Manchester, e principalmente: suas personalidades distintas, dois gênios que potencializaram a arte um do outro num nível incomum quando se juntaram.
O autor contou com a colaboração do guitarrista, o entrevistando em várias ocasiões. Infelizmente Morrissey não foi colaborou diretamente, mas se faz presente através de inúmeras entrevistas e polêmicas declarações ao longo dos anos. Isso justifica em parte a impressão que a leitura deixa de que Johnny Marr foi de certa forma o protagonista da história. E se a gente pensar que as decisões mais importantes partiram dele tanto formar o grupo quanto acabar com ele este papel se justifica.
Com a vantagem de ter conhecido os Smiths quando o grupo ainda existia e ter comparecido a shows e entrevistas, o autor deleita o fã ávido por informações com assuntos variados e detalhados sobre o grupo: as primeiras apresentações, o processo de composição e gravações dos discos e singles, as turnês, as rusgas com a imprensa e com a gravadora, o reconhecimento de público e crítica da genialidade da dupla, as frustrações decorrentes de erros que estavam além do controle do grupo, e assim por diante.
Um exercício muito interessante para o fã leitor é comparar as duas versões da história: a contada por Johnny Marr neste livro e a contada por Morrissey na sua Autobiography.
A explicação sobre o por quê de o grupo ter terminado no seu auge, coisa que intriga todo fã até hoje, é bem simples e, ao mesmo tempo, bastante complexa. Uma série de fatores contribuiu para que Johnny Marr se encontrasse estressado e exausto: a falta de um bom empresário para resolver questões burocráticas; o comportamento imprevisível de Morrissey, que faltava a compromissos importantes quando não estava de acordo com alguma coisa e não avisava ao resto do grupo; a pressão de deixar a gravadora independente Rough Trade e entrar para a multinacional EMI; estilo de vida rocknroll leiam-se noites viradas e uso abusivo de álcool e outras drogas; mal entendidos propagados pela imprensa que deixaram Johnny Marr magoado, entre outras coisas. Aparentemente nada que umas boas férias, ou uma boa conversa, resolveriam. Mas a deterioração da relação entre os Smiths chegou a tal ponto que ele não enxergou outra saída a não ser sair e não mais voltar.
O livro termina quando Johnny Marr deixa o grupo e parte para colaborações com outros bandas. Morrissey, sem outra alternativa, se lança na sua vitoriosa carreira solo. Pouca coisa é dita sobre o injusto processo movido pelo baterista Mike Joyce contra Morrissey e Johnny Marr em 1996 ao contrário da Autobiografia de Morrissey, onde tal processo é esmiuçado detalhadamente, e que jogou uma pá de cal em qualquer esperança de quem sonhava em ver os Smiths reunidos novamente algum dia...
O grupo que expressou os medos e esperanças de uma geração como nenhuma outro vem conquistando novos fãs, tão devotos e obstinados quanto os que acompanharam o grupo nos anos 80. Três décadas depois, este livro é a prova que há mesmo uma luz que nunca se apaga, e ela está mais viva do que nunca.