Hadlla.H 06/03/2024
Uma coletânea para quem quer se aventurar pelo terror em HQs
É uma boa coletânea de histórias em quadrinhos, mas devo confessar que o roteiro de pelo menos metade das histórias foi algo bem abaixo das minhas expectativas.
Graficamente essa HQ não tem erros, mas o roteiro tornou a história muito decepcionante. Vamos aos pontos, cada história (exceto por três ou quatro) não possuem uma introdução que nos deixem a par do que de fato está acontecendo, e apesar de que era pra ser uma intenção boa, deixar os efeitos posteriores do contato com a "entidade" de forma subentendida, essa idéia só deixou a história mais confusa.
Vamos ao ponto de vista de cada história.
Fantasmas na máquina:
"Fantasmas na Máquina" em uma clara referência ao local onde a entidade será encontrada nessa trama, é a primeira história apresentada na adaptação em quadrinhos de "O Rei Amarelo". Inicia com uma introdução que tangencia a crítica social, mas infelizmente, seu desenvolvimento se perde em uma narrativa confusa, assim como seu desfecho. A personagem central, Tessie, evidencia distúrbios alimentares e um vício preocupante em redes sociais, aspectos que, inicialmente, são bem explorados na trama, mas acabam se diluindo ao longo das páginas. Outro ponto negativo é a escrita, que parece automatizada em certos momentos. Porém, as ilustrações merecem destaque: caricatas de forma quase desconfortável, capturam uma essência que o roteiro não alcança. Elas oferecem um jogo visual impressionante, incentivando a leitura das próximas histórias.
A boneca:
"A Boneca" é o segundo conto apresentado nesta HQ. Ele se inicia com uma introdução que prontamente estabelece a trama central, e ao contrário da primeira história, essa introdução não é negligenciada ao longo das páginas. A construção do roteiro desta história pareceu meticulosa, criando uma crescente sensação de suspense. As ilustrações possuem um estilo bastante interessante, especialmente ao observar o uso marcante da cor amarela, que ressalta todos os problemas da trama. O desfecho deixou-me curiosa e impactada, tornando esta história uma das minhas favoritas.
A rainha de amarelo:
A terceira história, "A Rainha de Amarelo", revela-se como uma das mais complexas, porém, lamentavelmente, também uma das mais confusas. A introdução, embora tente estabelecer uma conexão entre a entidade e o misterioso Autômato escritor, não se harmoniza adequadamente com a trama central do conto. Além disso, a escolha de Edgar Allan Poe como figura principal nesta narrativa parece deslocada, apesar da tentativa de justificá-la através do conceito do "Autômato escritor". No entanto, a execução dessa ideia revela-se confusa e estranha, deixando o leitor sem uma compreensão clara do propósito por trás dessa escolha narrativa.
Apesar do roteiro manter um ritmo satisfatório, infelizmente não consegue estabelecer correlações coerentes entre os eventos apresentados. As ilustrações, embora de qualidade, não alcançam o mesmo nível enigmático presente nas outras histórias. Quanto ao desfecho, este se revela confuso e decepcionante, falhando em compensar as lacunas deixadas pelo início e meio da narrativa. A intenção de deixar certos aspectos implícitos é compreensível, porém, a falta de um motivo concreto para as reviravoltas finais deixa uma sensação de vazio e frustração. Toda a representação do horror cósmico, cuidadosamente estabelecida ao longo da história, parece dissipar-se de forma abrupta, sem uma justificativa plausível. Em resumo, "A Rainha de Amarelo" se destaca como uma história que, apesar de seu potencial, falha em cumprir suas promessas, deixando o leitor com uma sensação de insatisfação e perplexidade.
Maldita rotina:
"Maldita Rotina" se revela como a quarta história dentro da HQ, e apesar de questionar se o título realmente se alinha ao enredo, este conto oferece uma experiência satisfatória. A introdução não sutilmente nos antecipa o "mal" que se desdobrará ao longo da trama, inicialmente envolvendo-se em uma aparente lenda urbana, levando-nos a presumir que o pior está por vir. O ritmo do roteiro é bem construído, delineando os eventos de forma sólida, embora não tão enigmática quanto outros contos, ainda assim, consegue surpreender e agradar (embora seja recomendado cautela para aqueles sensíveis ao sofrimento animal). A inclusão do quadro do menino chorando é uma das nuances mais cativantes desta narrativa, pois desde o princípio o foco amarelo se concentra neste objeto (apesar da presença do caderno). A arte desta história é notavelmente equilibrada, não excessivamente elaborada, nem excessivamente simples, alcançando um ponto ideal para complementar o conteúdo apresentado pelo roteiro. As páginas finais proporcionam uma conclusão satisfatória para este conto.
Caninos:
"Caninos" emerge como a quinta história e destaca-se como uma das mais impressionantes dentro da coleção. Desde sua introdução, a narrativa exibe uma inteligente utilização de metáforas, habilmente conectadas aos eventos subsequentes da trama. O roteiro é excepcional, oferecendo diálogos perspicazes que não apenas esclarecem os acontecimentos da história, mas também lançam luz sobre o passado intricado das personagens principais.
Entretanto, apesar dos méritos do enredo, a parte gráfica desta história apresenta algumas deficiências notáveis. A falta de expressividade das personagens em certas situações compromete a capacidade de transmitir emoções complexas, muitas vezes deixando-as com uma aparência neutra diante de eventos que deveriam evocar reações mais intensas. Essa falha pode diminuir o impacto emocional da narrativa em certos momentos.
Embora o desfecho de "Caninos" não seja particularmente surpreendente, ainda assim é satisfatório. O enredo é habilmente tecido, oferecendo uma série de motivos e pistas ao longo da história que culminam em uma conclusão coerente. Além disso, a narrativa sugere a presença de motivos ocultos, adicionando uma camada adicional de profundidade à trama.
O rei dos ratos:
A sexta história, "Rei dos Ratos" apresenta uma premissa inicialmente intrigante, evocando a expectativa de uma narrativa inspirada na lenda do flautista de Hamelin. No entanto, ao longo das 20 páginas, a história se desdobra de maneira confusa, deixando o leitor com uma sensação de desorientação. O roteiro, embora tenha pontos positivos, carece de clareza e parece seguir um plano de sequência exato, sem muitas nuances ou surpresas.
Um aspecto notável da parte gráfica é a escolha de tonalidade amarelada, que contribui para criar uma atmosfera distinta e coerente com o título da história. Os personagens, embora caricatos, possuem uma expressividade peculiar que adiciona um certo charme à narrativa.
No entanto, apesar desses méritos, o final da história deixa a desejar. É confuso e deixa muitas pontas soltas, resultando em uma conclusão subentendida que pode deixar os leitores insatisfeitos e buscando por mais resoluções.
Taxidermia anímica :
A sétima história, "Taxidermia Anímica", apresenta uma narrativa intrigante, com elementos que despertam interesse ao longo da leitura. Uma das características mais marcantes é a representação da taxidermia, que oferece momentos cativantes, especialmente pela sua peculiaridade e a maneira como é entrelaçada com a obsessão do personagem principal por uma profissão inatingível.
O roteiro demonstra solidez na construção da trama, oferecendo um ritmo agradável de leitura. No entanto, algumas metáforas e subentendidos poderiam ter sido explorados de forma mais cativante, acrescentando camadas adicionais à narrativa.
A parte gráfica se destaca pela sua estilização habilidosa, com uma paleta de tons amarelos que cresce em intensidade ao longo da história, contribuindo para uma imersão mais profunda na atmosfera envolvente. Essa escolha de cores cria uma experiência visual marcante para o leitor.
Embora o final da história possa parecer um tanto confuso à primeira vista, uma compreensão completa da narrativa desde o início ajuda a desvendar sua complexidade. A referência à taxidermia e às quimeras, juntamente com os insights sobre atuação, torna o desfecho intuitivo para aqueles que acompanharam atentamente a história.
Medíocre:
A última história da HQ "O Rei Amarelo", intitulada "Medíocre", oferece uma abordagem refrescante e sarcástica que beira a crítica social. Com um ritmo excelente, o roteiro não se prende apenas ao aspecto místico ou filosófico frequentemente explorado em histórias semelhantes. Em vez disso, mergulha diretamente nas questões rotineiras, destacando a crítica social através de um personagem principal que se considera um crítico perfeito, mas cujas críticas são mais uma forma de menosprezar do que de construir.
O roteiro apresenta uma alternância inteligente entre questões do dia a dia e críticas sociais, muitas vezes apresentadas de forma sarcástica. Isso é evidente na maneira como o personagem principal menospreza aquilo que ele não gosta, refletindo a própria essência do título da história.
A parte gráfica não busca detalhes elaborados, optando por um estilo mais caricato que se encaixa perfeitamente com o tom sarcástico da narrativa. As expressões dos personagens são vívidas e definidas, acrescentando camadas adicionais à história.
O uso gradual do tom de amarelo ao longo da história adiciona um elemento visual cativante, tornando a leitura ainda mais agradável. E o final, longe de deixar questões em aberto, oferece uma conclusão definitiva que, para alguns leitores, remete a uma crítica social sutil, mas poderosa.