Café & Espadas 08/04/2015
Resenha O Rei de Amarelo
Poucos são os autores que conseguem estabelecer um conjunto de obra sólido, com vários títulos consagrados. Robert W. Chambers não era um desses autores.
Poucas são as obras que, devido a sua relevância, riqueza de elaboração, originalidade e envolvência tomam para si o título de atemporais e se consagram como clássicos. O Rei de Amarelo deve ser considerada uma dessas obras.
Antes de mais nada, devo mencionar alguns detalhes importantes referentes a edição feita pela Editora Intrínseca, que com certeza irão ajudar o leitor durante a leitura.
Se você ainda está em dúvida se foi uma boa ideia ou não adquirir um exemplar da grande obra de Chambers recomendo a leitura da introdução da edição, feita pelo jornalista e escritor Carlos Orsi. Nela ele irá explicar um pouco mais profundamente toda a natureza misteriosa desta coletânea, sua ligação com as grandes escolas literárias francesas, as principais influências e também explana um pouco sobre a vida do autor.
Esse texto inicial merece o seu destaque próprio pois ele abre o apetite para o que vem a seguir, e auxiliado pelas inúmeras notas de rodapé espalhadas em cada conto, ajudam o leitor incauto a compreender que essa obra não é igual a nenhuma das outras obras de terror com as quais ele teve contato.
Há muito o que se falar sobre esse marco do terror cósmico. Esta coletânea de contos – que subdivide-se intuitivamente – se materializa em torno de uma obra fictícia que leva o mesmo nome do livro, O Rei de Amarelo. Esse escrito trata-se de uma peça teatral sobre a qual não vemos muitos detalhes, nada além do nome de alguns personagens e lugares fantasiosos e mórbidos. O texto, aparentemente macabro e de uma beleza ímpar, amaldiçoa quem ousa lê-lo, fazendo com que a insanidade se aposse do corpo e da mente do leitor – ou vítima.
Os quatro primeiros contos (O Reparador de Reputações, A Máscara, No Pátio do Dragão e O Emblema Amarelo) são totalmente ligados a figura da peça amaldiçoada. Nada de mais profundo e detalhado é falado sobre o conteúdo do roteiro, mesmo que alguns personagens e locais fantasiosos sejam usados várias vezes. Todos eles compõem a chamada mitologia amarela, um cânone pequeno e denso que atrai diversas teorias literárias.
Alguns acreditam que esses primeiros contos se passam em um universo de fantasia compartilhado, que é acessado por meios não convencionais – muito similar a Dreamland de Lovecraft - e quando lemos atentamente, podemos perceber algumas ligações sutis, como nome de personagens secundários, lugares comuns, recursos linguísticos e metalinguagens utilizados pelo autor e a linha cronológica dos eventos. Outros críticos dão um status de “obra autobiográfica” para O Rei de Amarelo, pois a maioria dos protagonistas são artistas americanos que viveram em Paris, assim como Chambers.
Esses contos canônicos da mitologia amarela, assim como os demais, possuem finais instigantes e não muito conclusivos, podendo levar o leitor para mais questionamentos do que respostas. Porém suas qualidades de escrita e elaboração são magistrais. Nada nas histórias é jogado ao léu, tudo se encaixa mesmo que de forma muito opaca, e a insanidade iminente, que surge inesperadamente em todas as narrativas, dão o tom do terror psicológico imersivo (como em O Reparador de Reputações e O Emblema Amarelo) que desconstrói toda e qualquer crença humana de proteção divina, de intocabilidade (como em No Pátio do Dragão), essências do cosmicismo.
Os demais contos têm o pé calcado na realidade, mas sem perder as características da escrita rebuscada e a estrutura complexa e elegante de Chambers.
Indo de um amor que cruza o véu do tempo até os terrores do cerco parisiense por tropas prussianas durante a guerra de 1870, esta segunda parte da coletânea rende belas histórias como A Demoiselle d’Ys e algumas mais maçantes como A Rua da Primeira Bomba. Vale salientar que estes contos fazem referências aos quatro iniciais, ou seja, mesmo estes últimos não sendo tão fantasiosos a conexão com a mitologia amarela é mantida, e é uma sólida evidência de o quanto o autor bebeu da fonte das escolas literárias francesas para construir sua visão de mundo decadente.
Acima de tudo, O Rei de Amarelo é um marco não só no gênero de terror, mas na literatura mundial. A lista dos grandes autores influenciados pelos horrores que vivem sob a máscara pálida é extensa e engloba nomes como Lovecraft, Stephen King e E. Raymond Chandler.
Essa leitura não é uma das mais fáceis, o terror descrito nas páginas não é sanguinolento ou visceral, mas quando entendido em sua matéria prima, é um dos mais perturbadores e enigmáticos já escritos. Robert W. Chambers se mostra muito dinâmico e versátil ao transitar nas temáticas de cada conto, criando uma aura envolvente de mistério, caos e rompimento com a realidade.