Euflauzino 25/03/2015Quando um boato dito várias vezes torna-se verdade absoluta
O livro tem início avassalador e fui me preparando para me deliciar com a leitura de Os três (Arqueiro, 400páginas) de Sarah Lotz. Com projeto gráfico e capa excelentes, o conteúdo empolgou menos, mas há méritos, inúmeros até.
Em certo dia, conhecido como Quinta-feira Negra, quatro aviões caem em um pequeno intervalo de tempo. Dos quatro aviões sobrevivem três crianças, uma de cada voo. Apenas em um voo não se encontram sobreviventes:
“De modo previsível, semanas depois dos acidentes, o mercado recebeu uma avalanche de relatos de não ficção, blogs, biografias e artigos de opinião aproveitando o fascínio mórbido do público pelos eventos e pelas crianças que sobreviveram, conhecidas como Os Três. Mas ninguém poderia ter previsto a cadeia macabra de acontecimentos que viria em seguida ou a rapidez com que iriam se desdobrar”.
A metalinguagem de se escrever um livro dentro de um livro me atraiu também. Além de na contracapa ter um elogio do mestre Stephen King (já caí várias vezes nesse engodo e continuo caindo). O livro é todo traçado entre capítulos da vida com os “sobreviventes” e a “conspiração” em torno deles.
Cada um dos sobreviventes – Bobby, Hiro e Jess –,após o acidente, têm que voltar para suas famílias ou o que restou delas e tentarão viver uma vida normal. Mas há sinais incontestáveis, que se refletirão naqueles que se envolveram direta ou indiretamente com o acidente, de que alguma coisa está errada com as crianças:
“Homem comido vivo por lagartos e aranhas de estimação”.
O estopim para a avalanche de acontecimentos é Pamela May Donald, que consegue sobreviver ao acidente por alguns minutos e deixar uma mensagem pelo celular. Essa mensagem é interpretada pelo Pastor Len a sua maneira. O livro é um exemplo típico de como o fanatismo ou extremismo religioso (morte pela fé) e a consequente loucura podem sair do controle e desencadear fatos absurdos:
“Dava para ver que ia dar algum problema, dava para sentir o cheiro como se fosse um bicho morto na estrada havia dois dias.”
O tom dramático do início da leitura não relaxa em momento algum do livro, pode ser nos momentos antes da morte:
“O rosto vem em sua direção; está tão perto que ela sente a respiração do menino nas bochechas. Tenta se concentrar nos olhos dele. Será que eles estão…? De jeito nenhum. É só má iluminação. Eles estão brancos, totalmente brancos, sem pupilas, oh, Jesus, me ajude. Um grito cresce em seu peito, aloja-se na garganta, ela não consegue colocá-lo para fora, vai sufocá-la. O rosto se vira bruscamente para o outro lado. Seus pulmões estão pesados, líquidos. Agora dói respirar.”
Ou ainda na confissão de um adulto experimentado:
“Ele parecia olhar direto através de mim. Depois… escute… isso vai parecer muito sinistro, mas eles começaram a marejar, como se ele fosse cair no choro, só que … meu Deus.. isso é difícil… eles não estavam se enchendo de lágrimas e, sim, de sangue.”
Realidade ou não, a verdade é que os sobreviventes não são mais o que eram antes. A partir daí, o temor passa a tomar conta daqueles que precisam conviver com eles. Seria culpa do inconsciente coletivo as atitudes advindas deste temor?
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