Livros da Julie 01/11/2022Uhtred sente o peso dos anos e da falta de reconhecimento e retoma as rédeas do seu destino-----
"tudo que a velhice trazia era a morte dos sonhos."
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"Meus deuses não exigem juramentos, mas o deus pregado é mais ciumento que qualquer amante. Ele diz a seus seguidores que eles não podem ter outro deus além dele, e isso não é ridículo?"
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"às vezes a loucura funciona."
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"Só no mar o homem é verdadeiramente livre."
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"desejava a paz, mas sabia que era impossível que ela existisse enquanto duas tribos lutassem pelos mesmos campos"
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"num mundo em guerra o guerreiro precisa ser cruel."
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"Como um único deus pode cuidar do mundo inteiro?"
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"A desordem é inevitável em uma batalha, mas a indecisão é imperdoável"
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"Cinco coisas deixam um homem feliz: um bom navio, uma boa espada, um bom sabujo, um bom cavalo e uma mulher."
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"falam da roda da fortuna, (...) que gira constantemente e em algumas ocasiões nos levanta para o sol e em outras nos arrasta para a merda e a lama."
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"se o instinto não é a voz dos deuses, o que é?"
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"estar apaixonado muda tudo. Um homem é capaz de lutar através dos incêndios do Ragnarok porque está apaixonado; vai se esquecer do mundo inteiro e fazer coisas insanas pela mulher que ama."
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"[Os padres] Querem que sejamos seus cães, bem-treinados, agradecidos e obedientes. Por quê? Para que eles possam ficar ricos. (...) o orgulho é pecado? Você é um homem! É como dizer que respirar é pecado, e, quando tiverem feito você se sentir culpado por ousar respirar, vão lhe dar a absolvição em troca de um punhado de prata."
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"A arte da guerra é levar o inimigo a fazer o que você quer."
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"[a batalha] É nojenta. É um desperdício. É aterrorizante. Fede. Causa sofrimento. No fim há amigos mortos e homens feridos, e dor, lágrimas e agonia medonha (...) A batalha leva o homem à beira do desastre, a um vislumbre do caos que acabará com o mundo, e ele deve viver nesse caos e nessa borda, e isso é um júbilo. (...) Se você fizer direito vai se sentir um deus, porém, se fizer errado, suas tripas serão pisoteadas."
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O guerreiro pagão é o sétimo livro da série Crônicas Saxônicas, lido com as @mafaguifinhos e @nleituras.
Adorador convicto de Odin, Uhtred recebe a pior notícia que um pagão poderia ter: a de que seu filho seria ordenado padre. O evento termina em uma tragédia que coloca Uhtred na posição de um dos maiores algozes da Igreja, o que fragiliza a sua relação com os cristãos que o seguem. Para piorar, ocorre uma inesperada ruptura da paz que perdurava em Wessex há anos. Será que os dinamarqueses voltariam a atacar com força total?
Nosso guerreiro não poderá literalmente "pagar para ver". Tendo perdido suas posses nos últimos confrontos e desmerecido pelos saxões a quem tanto auxiliou no passado, não lhe resta outra alternativa senão navegar como viking e enriquecer no mar.
Por que então não aproveitar esse ínterim para retornar a Bebbanburg e finalmente reconquistar a propriedade ancestral que lhe é de direito? Uhtred só não imagina que essa campanha pessoal terá grandes implicações no frágil equilíbrio de forças que sustenta o trono saxão e ele verá seu destino mais uma vez entrelaçado ao da própria Inglaterra.
O começo do livro não é muito auspicioso e nos perguntamos se a história começará a perder sua força e seu fascínio. A maré de azar de Uhtred parece tirar um pouco do brilho do enredo, sempre tão enérgico mesmo durante a calmaria. Contudo, somos novamente surpreendidos e encantados pela capacidade do autor de revigorar a trama e fazer o protagonista dar a volta por cima, fazendo o nosso coração bater mais forte outra vez.
Ainda assim, boa parte do livro possui um ritmo mais lento, que condiz com a atmosfera pessimista provocada pelas desventuras de Uhtred e com as suas demoradas idas e vindas pelo território britânico e arredores, tanto para providenciais escapadas como para perseguições e cercos aos inimigos.
A bela e marcante descrição das paisagens nos enche de vontade de percorrer os mesmos trajetos do personagem. Como seria maravilhoso conhecer ao vivo e a cores, ainda que mil anos depois, todas as regiões e cidades que Bernard retrata! Adoraria descobrir o que restou dos antigos burgos e fortes, conhecer os famosos campos da Mércia e de Wessex e saber se ainda há algo que remeta aos tempos de outrora.
As longas jornadas também contribuem para reforçar o tom saudosista do livro, estimulado pelo retorno de Uhtred às suas origens e pelas sucessivas menções à sua idade. Já com mais de 50, Uhtred sabe que é uma sorte ainda estar vivo. Porém a morte está mais próxima do seu ciclo íntimo, chegando a personagens com quem teve longa e intensa convivência.
A temática da velhice aparece, assim, cada vez mais forte na história, enfatizada pelas constantes comparações e reflexões de Uhtred. A beleza advém de tempos longínquos e realizações imemoriais. A sutileza é encontrada nos pequenos detalhes e o sucesso reside na capacidade mental, mais do que na física. A força, a agilidade, a esperteza e a impetuosidade deixam de ser associadas a Uhtred e passam a representar as novas gerações. No protagonista, tais características dão lugar à persistência, ao comedimento, à vivência e à teimosia.
A repetição de velhos padrões e linhas de raciocínio é típica de uma mente mais madura e fatigada, que se agarra com unhas e dentes à própria vontade e resiste às demonstrações de sabedoria alheia. Entretanto, na batalha e na vida, cada minuto, cada dia, cada ano de experiência faz toda a diferença e pode significar o sucesso de uma empreitada. E ainda que esteja mais velho, Uhtred faz da guerra uma arte e a vitória estará sempre ao lado desse grande mestre. Mas até quando?
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