Paulo Sousa 29/03/2019
A primeira história do mundo, de Alberto Mussa
Título lido: A primeira história do mundo
Autor: Alberto Mussa
Editora: Record
Ano de lançamento: 2014
Ano desta edição: 2014
Páginas: 240
Classificação: 4.5/5
__________________________________________
"(...) num longínquo dia de uma era ainda mais distante, um pequeno grupo familiar, que se casa a entre si, foi atacado por estranhos que ocupavam o lado oposto da fronteira, e cujo objetivo era roubar mulheres. Nessa luta, morreram homens pela primeira vez. E os agredidos se vingaram, também matando, também roubando irmãs alheias. E foi essa a primeira história do mundo, quando cunhados e inimigos apareceram sobre a terra" (Posição no Kindle 1037/44%).
.
De cara o leitor é imergido no grande mistério: Francisco da Costa, serralheiro, é encontrado morto em 1567 numa viela da vila que se tornaria a cidade do Rio de Janeiro. Consta que esse foi o primeiro registro de crime na ainda nascente capital fluminense, cuja autoria é um mistério que perdura mesmo passados mais de quatro séculos.
.
É assim que Alberto Mussa, escritor carioca e autor desse livro soberbo, opera. Uma vez lançado o mistério é hora de reconstruir passo a passo as cenas que desencadearam a extinção de Francisco, morto com 8 flechas por motivo aparentemente ignorado. Dado a passagem do tempo e o natural arrefecimento das provas, a tarefa é hercúlea. O livro, escrito em primeira pessoa, sem que saibamos quem é o dono da fala, vasculha documentos, depoimentos, mitos e ritos da gênese brasileira, largamente praticados entre os patrícios indígenas, para desvendar o(s) autor(es) de tamanha atrocidade...
.
Alberto Mussa tem uma escrita dos diabos. Prosa dinâmica, corrida mesmo, parte de um acontecimento factual para construir um quebra-cabeça intrincado de hipóteses e premissas, objetivando, à partir da análise do que foi dito e escrito, chegar ao autor de tamanha atrocidade. Francisco da Costa é morto, há vaga ideia do por quê, mas não se sabe quem foi, apesar de haver dez suspeitos. Nessa revisitação, vamos acompanhando o narrador espreitando um a um cada suspeito, buscando comparar as falas dos envolvidos, eliminando aquilo que não casa ao conjunto. Por isso, o resultado é belo, fabuloso, mítico, lindamente escrito. Chega-se um momento em que não é possível saber o que é fato, senão o registro da morte de Francisco. Mas vamos passeando pelos costumes dos índios, as crendices da época, algumas informações da colônia e a cultural aversão ao adultério, tudo junto e misturado. O leitor precisa fazer um pouco de esforço para não se perder em tantos caminhos, e o autor não entrega fácil a autoria do crime, apesar das muitas pistas que me deixaram agoniado para desvendar o que estava encoberto, mas mesmo que isso seja impossível, ainda vale a empreitada.
.
"A primeira história do mundo" abarca um fato verídico ocorrido no século XVI. Faz parte de uma coleção, num total de cinco volumes, conhecida como Compêndio Mítico do Rio de Janeiro, livros do gênero policial que analisam um crime em cada século, começando pelo XVI. Mussa me ganhou nesse livro maravilhoso, um genuíno exemplo de que é ainda possível ser surpreendido na literatura. Como vale!