Carlozandre 24/11/2014
Crime de sangue na aurora do Brasil
Não é comum encontrar em listas de “melhores autores brasileiros contemporâneos” ou “gente que está fazendo a nova literatura” e outras denominações semelhantes o nome de Alberto Mussa. O que, dada a qualidade da obra que vem tecendo com paciência ao longo das últimas duas décadas, é francamente incompreensível. Mussa dá mais motivos para essa perplexidade com a publicação, agora, de A Primeira História do Mundo, livro no qual reconstrói, com o misto de prosa ensaística e literária que é característico de seu trabalho, o primeiro crime de sangue registrado no ainda jovem território do Brasil.
A Primeira História do Mundo parte de um fato real: o assassinato de um serralheiro morto com sete (talvez oito) flechadas no Rio de Janeiro de 1567. Em uma cidade com apenas três ruas, ainda cercada pela mata, e com cerca de 400 habitantes, nove homens foram apontados como possíveis autores do crime, de acordo com os registros do procedimento judicial instalado para averiguar o homicídio. O livro compõe uma trilogia com O Trono da Rainha Jinga, passado em 1626, e O Senhor do Lado Esquerdo, ambientado em 1910. Nos três, Mussa usa a estrutura de um romance policial para engendrar uma mitologia urbana do Rio em diferentes períodos históricos. Ele já anunciou que pretende escrever outros dois romances para outros dois séculos da cidade: o 18 e o 19.
Além de ser parte desse projeto maior, outra possível leitura de A Primeira História do Mundo é a de uma condensação de elementos já trabalhados pelo autor ao longo de sua carreira. O motivo do crime, segundo o processo, seria um adultério, indiscrição à qual Mussa dedicou o romance O Movimento Pendular, no qual se propunha a fazer uma teoria classificatória das variantes do adultério na literatura. A presença de indígenas por toda parte nesse Rio ainda em formação dá a Mussa a oportunidade de tangenciar outra vez o rico universo da tradição autóctone, que ele já havia abordado em Meu Destino é Ser Onça, no qual apresenta uma versão reconstituída da cosmogonia tupinambá.
O que mais surpreende em A Primeira História do Mundo são as soluções que Mussa, criando um narrador que refletindo sobre seus próprios procedimentos, encontra nessa reflexão as ferramentas para especular as sutilezas de um inquérito do qual só sobraram os depoimentos por escrito, tomados há mais de 400 anos. Um toque de originalidade usando a sempre difícil, porque rígida, moldura do romance policial.
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