Renato 28/12/2014Como dizem que me é peculiar, começo sendo direto: Os crimes do monograma não é um bom livro. Curiosamente, cheguei a essa conclusão não pelo conteúdo, a história, o enredo que, apesar dos diversos problemas, cumpre seu papel de entreter; mas sim pela parte externa, a menos relevante na maioria das outras obras mas, que nesta, tem um papel preponderante e influencia cada palavra em seu interior: a capa.
A capa ostenta, em letras garrafais, o nome de Agatha Christie. Quem é conhecedor da obra da Dama do Crime sabe que em Cai o pano ela decidiu “matar” seu principal detetive, Hercule Poirot, sob a alegação de que não gostaria de vê-lo em histórias escritas por outros autores após sua morte. Entretanto, eis que em 2014, surge o “novo mistério do detetive Poirot”, um “lançamento mundial” escrito por Sophie Hannah com autorização e chancela dos herdeiros de Agatha. Pura jogada de marketing.
Sophie Hannah era até então desconhecida da maioria dos brasileiros, pois nenhuma de suas obras havia sido publicada por aqui. Justamente por isso, não conheço seu estilo de escrita e não posso afirmar se foi intenção da autora escrever algo que Agatha escreveria, ou se ela quis dar um toque totalmente pessoal à história. Em ambos os casos, o nome de Agatha Christie na capa não se justifica. Por que não fazer como Jô Soares em seu O xangô de Baker Street, que usou Sherlock Holmes sem se vangloriar por isso? O livro tornou-se um best-seller.
Deixando de lado essa questão e analisando a história, temos um início instigante, mas que desde então se mostrou diverso do que Agatha escreveria. Temos um Poirot muitas vezes frio, prepotente, ignorante. O personagem coadjuvante, Edward Catchpool, com um excesso de sentimentalismo e lembranças de infância que não se encaixam muito bem na história, e nem têm justificativa para estar ali. Os demais personagens, com nomes pouco usuais, às vezes até estranhos e exaustivamente mencionados, pouco se destacam. A história se passa em 1929, mas não há nada que caracterize a época, de modo que poderia ter se passado em qualquer outra.
A inverossimilhança dos acontecimentos chega a ser absurda. A motivação dos crimes toma uma proporção tão exagerada a ponto de ser comparada com dramalhão mexicano. Me fez lembrar de uma cena de Maria do Bairro, quando Soraya ataca a todos no quarto só porque vê seu amado beijar uma garota na cadeira de rodas (risos). A própria solução do mistério, precocemente anunciada, mostra-se obtusa; são 85 páginas (quase 1/3 do livro!) cheias de vais e vens e reviravoltas desnecessárias, o que acaba mais confundindo que esclarecendo.
Há ainda o irritante modo de como os personagens falam de si mesmos, sobretudo Poirot, sempre na terceira pessoa. Talvez seja herança de uma tradução menos apurada, mas nunca vi Agatha escrever dessa forma.
No entanto, nem tudo é perdido. Basta que a leitura seja feita esquecendo-se de Agatha e esquecendo-se de quem é Poirot. Quem não os conhece, provavelmente aprovaria a história. Talvez eu seja muito exigente, mas Agatha estava certa: seria melhor que Poirot tivesse parado em Cai o pano.