Leila de Carvalho e Gonçalves 26/10/2017
Um Novo Caso De Poirot
Temendo que Poirot continuasse a ser explorado depois de sua morte, Agatha Christie matou o detetive em "Cai o Pano", escrito durante a década de 40. Conforme instruções, o romance permaneceu guardado no cofre de um banco e só foi publicado em 1975, quando ela já estava muito doente e desde então, seu principal protagonista descansou em paz.
Portanto, em 2014, quando foi anunciado um novo livro estrelado pelo detetive belga, a notícia caiu feito uma bomba no meio literário. Com a surpreendente aprovação dos herdeiros da Rainha do Crime, a Acorn Media Group, detentora dos seus direitos autorais, escolheu Sophie Hannah para levar adiante o projeto, colocando a prova sua reputação profissional como autora de livros de suspense.
Como fiel admiradora da Rainha do Crime (li todas suas narrativas), resolvi ignorar "Os Crimes do Monograma" e vinha resistindo bravamente até que, semana passada, sucumbi à curiosidade. Afinal, o romance está a altura de exibir na capa o nome de Agatha Christie em letras garrafais? Vamos aos fatos.
O maior acerto de Sophie Hannah foi escrever uma narrativa ambientada em 1929, durante a "Era de Ouro da Literatura Policial" (1920-1930) cujos pontos fundamentais fazem parte da história. São eles:
- Um ou mais crimes misteriosos.
- Um detetive com capacidade dedutiva acima da média.
- Um narrador que além de ser seu assistente, distinga-se pela lentidão de raciocínio.
- Pistas falsas.
- Um número limitado de suspeitos.
- A solução expositiva do caso feita pelo protagonista no final.
- Finalmente, nenhuma informação deve ser omitida de forma que tanto o leitor como o detetive tenham a mesma chance de resolver o enigma.
Com relação aos problemas, em "Os Crimes do Monograma", a trama é muito longa e macabra, fugindo do estilo de Agatha Christie. Além do mais, Hercule Poirot mais parece um figurante e quem monopoliza boa parte do caso é Edward Catchpool, um jovem investigador da Scotland Yard, entretanto, suas proposições são tão simplórias que muitas vezes acabei irritada. Senti saudades de Hastings, uma personagem feita sob medida para desempenhar essa função.
Além disso, o detetive belga parece outra pessoa. Trocou uma tisane pelo café e, cansado da fama, está descansando numa simples pensão próxima de seu moderno e simétrico apartamento... Suas características também poderiam ter sido melhor exploradas, mas o mais grave é que, em algumas situações, suas conclusões partem do nada, ele adquiriu uma capacidade premonitória e sabe o que aconteceu. Não pretendo apresentar spoilers, mas esse é um aspecto que merece atenção durante a leitura.
Repleta de reviravoltas, "Crimes do Monograma" é uma narrativa intrincada, cercada de embaraços. Para piorar, a explicação dos assassinatos no elegante hotel Bloxham leva mais de cinquenta páginas, com certos fatos encaixando-se com dificuldade na trama. Agatha Christie sempre primou pela engenhosidade e clareza, logo, somando os prós e os contras, para ser considerada uma homenagem ou até uma jogada comercial, o texto carece de maior fidelidade. De fato, seria melhor que Poirot tivesse sido deixado em paz.
Caso queira conhecer uma elogiada "ressuscitação literária", recomendo "A Loura de Olhos Negros", de Benjamin Black. O detetive Philip Marlowe reaparece impecável numa história de mistério cuja trama é um esboço do próprio Raymond Chandler.