spoiler visualizarNathalia 07/12/2021
Nunca mais eu vou dormir.
Acabei de me tocar que "os fins do sono" tem duplo sentido.
Preciso escrever isso aqui pra ver se me ajuda a escrever minha resenha pra Teoria da História, por que no momento acho que eu tô com algum tipo de bloqueio. Eu gostei do livro, mas preciso admitir que depois de um tempo acho que fiquei um tanto neurada com o tom pessimista que o livro tem. Sei lá, acho que por mais que eu tenha noção dos problemas que capitalismo atual e principalmente o mundo digital têm, eu não posso decidir não viver e não utilizar os meios que eles me oferecem e esse livro me fez me sentir mal por isso (ainda que acredito que todo mundo que tenha lido esse livro também tá inserido nesse mundo, assim como o autor do livro, talvez eles só saibam lidar melhor com isso do que eu).
Basicamente, esse livro vai mostrar como o capitalismo se acelera e "cresce" até um nível no qual ele estabelece padrões que ultrapassam os limites humanos, e daí ele continua crescendo, enquanto tenta vender formas de adaptar os humanos a esse meio capital. Dentro desse contexto, o maior empecilho ao capitalismo se torna o sono, que é definido como "um resquício de pré-modernidade, um empecilho a produtividade e uma atividade não rentável". Além disso, essa forma de capitalismo acaba por "borrar" as distinções entre público e privado e e entre trabalho e descanso o que infere diretamente em outros aspectos da humanidade, como a capacidade de reflexão, a mobilização política e a comunicação de um modo geral.
Para definir esse capitalismo que quebra os modelos de temporalidade humana o autor emprega o termo "24/7" que demonstra a ausência da periodicidade que conduziu a humanidade desde a revolução agrícola (ou sei lá talvez antes, a gente tá cercado dessas periodicidades: dia/noite, semana/fim de semana, meses, estações, etc). Esse modelo também está amplamente relacionado com os dispositivos tecnológicos, que acabam por se tornar uma das únicas permanências no nosso cotidiano. Ainda que estejam em constante mudança (por que o 24/7, também a responsável por um novo tipo de obsolescência programada), a relação que se estabelece com o sistema operacional é a mais duradoura do que a maior parte das relações que se estabeleceram na vida de um indivíduo. Ao mesmo tempo, o ritmo acelerado das mudanças tecnológicas impede a familiarização com qualquer formação social, estabelecendo um período constante de transição. Essa aceleração das mudanças também causa uma reconfiguração da experiência e da percepção nos indivíduos desencadeando simultaneamente uma homogeneização da experiência perceptiva e uma fragmentação das zonas de experiência.
O que acontece é que pra funcionar, o capitalismo precisa estabelecer uma temporalidade, que se dá basicamente com uma reorganização do tempo (ou, se preferir, uma homogeneização do tempo). Por exemplo, na época da Revolução Industrial inglesa isso foi alcançado com o estabelecimento da iluminação artificial: por meio dessa, a peça chave da temporalidade deixa de ser o sol (dia/noite) para ser ditada pela própria indústria, assim como o ritmo do trabalho deixa de ser ditado pelo indivíduo para ser ditado pela máquina. No caso do Capitalismo na temporalidade 24/7 essa reorganização do tempo levou no mínimo 50 anos. Primeiramente, a destruição da Segunda Guerra gerou uma homogeneização estrutural, econômica e social que possibilitou o estabelecimento de uma base (é claro que não era o intuito da Guerra, mas não sei como dizer isso de uma maneira que não pareça tão teleológica assim). Como anteriormente a Guerra, boa parcela da população não estava acostumada com o modo de trabalho moderno, foi necessário estabelecer uma forma de impor esse modo sobre eles e assim se desenvolve uma sociedade disciplinar (onde o trabalho e a escola vão atuar como órgãos disciplinares, mas a vida cotidiana e privada continuará a se desenrolar em espaços livres de supervisão). Na década seguinte, no entanto essa vida cotidiana é invadida pelo consumo/lazer organizado e daquilo que Debord chamou de "espetáculo". A televisão é o maior exemplo da apropriação externa dos tempos e espaços privados (um dos maiores efeitos que ela causa é o rebaixamento dos cidadãos a meros espectadores dos desenrolares políticos). A situação se agrava entre a década de 50 e 80, principalmente com a introdução de outros produtos com esse caráter regulamentador, como os vídeo-games e os computadores pessoais, assim a regulamentação institucional se torna tão ininterrupta que podemos considerar que se trata de uma "sociedade de controle". E então nos anos 90, começa o processo de adaptação dos indivíduos à temporalidade do capitalismo 24/7 (em relação ao funcionamento do mercado). Agora já vivemos em sociedade baseado nos dados e que, cada vez mais, dissolve as distinções entre pessoal-profissional, entretenimento-informação e público-privado.