Fabio Shiva 21/10/2022
Reflexões diante do espelho do tempo, sobre uma frase de Agatha Christie
Por sincronicidade, deparei-me essa semana com a resenha da primeira leitura que fiz desse livro, postada em 20/11/10 na Comunidade Resenhas Literárias do extinto Orkut:
Um belo passeio pelo universo de Agatha Christie em nove contos. Tem uma história do Poirot, uma da Miss Marple, duas do Parker Pyne e mais cinco “avulsas”. Os temas e estilos também são bem abrangentes, indo do policial clássico ao romântico, passando por histórias de aventuras e até uma com um climão mais místico.
Já conhecia alguns dos contos, outros li pela primeira vez. O que mais gostei foi “Miss Marple Conta uma História”.
Mais uma boa diversão para os fãs da Rainha!
Nessa segunda leitura, quase doze anos depois, uma passagem me fez refletir:
“Nenhum homem, nenhuma mulher completa-se antes dos quarenta e cinco. É quando a individualidade se afirma.”
Como acontece com todas as generalizações enfáticas, essa afirmação de Agatha suscita discordâncias. Não creio que isso seja uma verdade absoluta, e como refutação me ocorre imediatamente a impressionante galeria de artistas geniais que desencarnaram aos 27 anos: Jimi Hendrix, Jim Morrison, Janis Joplin, Amy Winehouse, Kurt Cobain… galeria à qual eu sempre incluo meu poeta favorito, Castro Alves, embora ele tenha desencarnado aos 26 anos, precoce até nisso! Alguém poderia contra-argumentar que o fato desses artistas terem desencarnado antes dos 45 anos não implica em terem alcançado uma “completude”, por mais genial que seja a obra que deixaram. Pois exatamente, sinto (claro que é apenas uma opinião minha) que vida e obra estão sempre entrelaçadas, e que essa partida no ápice da juventude representa também uma “completude”, como se fosse a missão dessas pessoas chegar aqui, brilhar intensamente e partir muito cedo…
Por outro lado, senti reverberar em mim algum reconhecimento ao ler essa frase de Agatha, e a sincronicidade de encontrar essa resenha anterior me fez atentar para algo curioso. Ao ler “Um Acidente e Outras Histórias” pela primeira vez, ainda faltavam oito anos para que eu alcançasse a idade considerada tão emblemática por Agatha Christie. E agora, nessa segunda leitura, já fazem quatro anos que deixei para trás essa mesma idade…
Creio que não se deva à idade o sublime e memorável acontecimento de uma pessoa “completar-se”. Há pessoas que chegam à senilidade sem terem sequer amadurecido, outras são velhos amargurados no pleno viço da adolescência. Mas há também pessoas que já chegam dizendo a que vieram, como é o caso das crianças azuis ou índigo que nascem com cada vez mais frequência. E há também aquelas pessoas que conquistam a grande ventura de aprender algo sobre si mesmas com o passar dos anos. É nesse último caso que acho que a frase de Agatha melhor se aplica.
Eu mesmo, por exemplo, estou tendo a oportunidade de me olhar no espelho do tempo ao reler essas antigas resenhas, que tenho garimpado para o quadro semanal que apresento no programa “Atmosfera 102” da Rádio 102.7 FM (Além Paraíba – MG). Encontro aqui e ali algum olhar que me encanta, que me dá gosto de ter sido esse leitor e escritor de anos atrás. Contudo no mais das vezes sinto é constrangimento de tanta empáfia tacanha e orgulho metido a besta. E digo para mim mesmo, sacudindo a cabeça: “Como é que eu podia ser tão sem noção?” E hoje peço a Deus saúde e disposição para que no futuro, ao ler o que escrevo hoje, eu sinta coisas bem parecidas!
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