Mauricio (Vespeiro) 01/11/2017“Ninguém ajudará o filho da viúva?”Como diria Jack, “vamos por partes”! (Não acredito que não resisti!) A graphic novel “Do Inferno” é uma das melhores que já li. Escrita por Alan Moore e ilustrada por Eddie Campbell, a obra traz a famosa história de Jack, o Estripador, serial killer que agiu na Londres de 1888 e cuja identidade é incerta. Muitos livros, teorias e estudos publicados não são unânimes na solução do caso. Nos quase 130 anos de especulações sobre os crimes de Whitechapel, surgiram perto de duas dezenas de suspeitos (excetuando-se da conta os malucos que apareceram assumindo a obra). A linha adotada por Moore e Campbell aponta para o Dr. William Whitey Gull. Ela foi baseada principalmente no livro “Jack The Ripper: The Final Solution”, de Stephen Knight. Não que Moore a considere a mais consistente (nos apêndices ele mesmo diz que é uma teoria superada), mas provavelmente por ser aquela com elementos mais interessantes para contribuir com uma “ficção especulativa”, como ele prefere classificar sua obra. As suspeitas levantadas por Knight sobre a participação direta da maçonaria e da realeza britânica nos crimes deixa a trama muito mais rica e complexa.
É brilhante o trabalho de pesquisa, tanto histórica quanto gráfica, para a execução de “Do Inferno”. Livros lidos passaram de cem. Acrescente aí documentários, filmes, fotos de época, referências aos crimes em outras obras, referências indiretas de autores contemporâneos e muita criatividade para contextualizar tudo isso. Não bastasse o enredo principal, Moore ainda incluiu de forma saborosamente verossímil a presença de personagens históricos (William Blake, Oscar Wilde, Aleister Crowley, Conan Doyle, William Yeats, Robert Louis Stevenson, para citar apenas alguns) como coadjuvantes. Foram mais de dez anos de dedicação para oferecer quase 600 páginas numa peça incomparável. Precisa ser dito que é necessário ter um vasto repertório para aproveitar apenas parte das referências que enriquecem a obra. Alan Moore é um gênio, indubitavelmente.
Uma extensa aula de história, mitologia e arquitetura de Londres percorre o livro inteiro, mas ganhou um capítulo à parte. O passeio de coche com William Gull (no caso, o próprio Jack) e Netley mostra detalhes arquitetônicos cuidadosamente colocados na narrativa e conta com as ilustrações - concebidas num estilo que fica entre o rascunho e o pré-finalizado, que combinam perfeitamente com o clima proposto - de Eddie Campbell. Aliás, Campbell foi muito preciso e trouxe um compêndio de referências visuais, recriando a Londres do final do século XIX, tendo como base fotos, pinturas, mapas novos e antigos. Outro capítulo extasiante mostra o “trabalho” de Jack em uma de suas vítimas. São mais de 30 páginas onde é impossível não arregalar os olhos.
O gran finale são as 60 páginas de dois apêndices. O primeiro obriga o leitor (que o faz com prazer) a praticamente reler todo o livro, pois Moore explica tudo, capítulo a capítulo, página a página e, algumas vezes, quadro a quadro, todas as referências que usou, o que é fato histórico, o que é ficção, justificativas por ter incluído passagens específicas. No segundo apêndice, uma divertida e dinâmica jornada no tempo mostra os autores que mais se destacaram publicando suas versões sobre o caso, aos quais Moore rotulou como “estripadorologistas”.
Esta graphic novel foi adaptada para o cinema em 2001, dirigida por Albert e Allen Hughes (os mesmo do chato “O Livro de Eli”), com Johnny Depp no papel do Inspetor Abberline e Ian Holm como William “Jack” Gull.
Curiosidade: Aprendi que BRAN é um deus celta cujo nome significa “corvo abençoado”. Seria esta uma referência também utilizada por George R. R. Martin em “Game of Thrones”?
Nota do livro: 8,23 (5 estrelas).