Carlos588 15/03/2024
"Fogo que parou de arder, nuvem que se fez chuva e que agora se esvaiu, música que chega ao acorde final que outros acordes advenham, cansaço vazio. Solidão"
O que é a obsessão se não idolatria do coração? Se é isto o amor que jamais amemos!
Antônio Dorigo, recluso e sempre distante emocionalmente das mulheres, encontra - próximo de sua velhice - o algoz de sua juventude: aquele pedaço de existência que nunca vivera e, em seu íntimo, jamais poderia deixar de viver antes da morte e que, agora, tendo a oportunidade de vivê-lo, não pode deixar escapar.
Vemos um homem obcecado por Adelaide, uma prostitua de Milão, que passa os dias seguintes de sua vida perguntando-se aonde ela mora, o que faz da vida, com quem sai, o que come, o que bebe, do que desgosta.
Alguém que sempre considerou as mulheres de uma casta quase divina por causa de sua educação conservadora em demasia que tratava o sexo como tabu, como algo desprovido de pudor e recheado de imundície.
Quando, no entanto, descobre que muitas mulheres - outrora tão angelicais - entregavam seus corpos por míseras cinco mil liras, ele não pôde aguentar.
O objeto de sua adoração fora maculado e isso, sem dúvidas, era o maior dos pecados.
Como poderia - pensava ele em sua doentia mente - tais mulheres entregarem-se a tão imundos homens por tão pouco e, quanto a mim, intelectual que sou, rico como sou, aristocrata e burguês socialmente aceito, sequer dirigirem o olhar?
Certamente, Um Amor de Dino Buzzati poderia ser traduzido, em tom musical, por Pretty Woman de Roy Orbinson.
É dessa obsessão, dessa adoração manchada, dessas deusas maculadas, que se trata esse livro.
A loucura, advinda de não poder aceitar se pior do que outros homens e não ter posse sobre as mulheres que se vendem, a ira, a raiva, o medo, a angústia, a tristeza, mas também a juventude, sim, a juventude de um homem nos últimos anos de sua virilidade e que descobre ser inevitável o fracasso de sua conquista sobre o sexo oposto, o ego fragilizado por não ser "macho".
Essa obsessão que é fogo que parou de arder, nuvem que se fez chuva e que agora se esvaiu, música que chega ao acorde final, para citar o autor.
É daquele sentimento que nos faz admirar uma paisagem e pensar na pessoa amada.
É disso que se trata Um Amor: adoração maculada, ego ferido e medo, sobretudo medo, da juventude que logo se encerrará.
Favorito, certamente.