Everton Vidal 05/03/2021
A temática da viagem é central na poesia de Cecília. É, inclusive, o nome do seu primeiro livro da fase madura, onde esse conceito, e ao longo dos seus primeiros livros, toma a forma de uma fuga ou evasão (do tempo e da vida fugaz, em busca do atemporal, do absoluto, do mar). Em Doze Noturnos da Holanda ela toma a forma de uma busca introspectiva. A Noite é um personagem que “não é simplesmente um negrume sem margens nem direções”, “possui claridades” e leva o eu-lírico por uma jornada subjetiva (ou psicológica), incluso espiritual, em busca de autoconhecimento, através do afastamento do mundo, da matéria (a lá platonismo) e seus prazeres terrenos. O fim, encontrado no poema doze, um dos mais lindos, profundos e até proféticos de Cecília, é a imagem do afogado, cuja transfiguração revela as belezas do mundo através do fluir do tempo.
“Sem podridão nenhuma,
jazerá um afogado nos canais de Amsterdão.
E eu sei quando ele caiu nessas águas dolentes.
Eu vi quando ele começou a boiar por esses líquidos caminhos.
Eu me debrucei para ele, da borda da noite,
e falhei-lhe sem palavras nem ais,
e ele me respondia tão docemente,
que era felicidade esse profundo afogamento,
e tudo ficou para sempre numa divina aquiescência
entre a noite, a minha alma e as águas.
Sem podridão nenhuma, jazerá um afogado
nos canais de Amsterdão.
Não há nada que se possa cantar em sua memória:
qualquer suspiro seria uma nuvem sobre essa nitidez.”