Wagner 01/09/2012
Gabriela, cheiro de cravo, cor de canela, olhos a fulgurar a inocência do espírito, o falar infantil, ancas a despertar o desejo de pernas a pousar nelas durante a noite; protótipo do fascínio, do encanto moldado a todos os gostos. Talvez tudo isso, talvez nada disso, se seguirmos o pensamento de João Fulgêncio: Gabriela não se explica, basta saber que ela existe. Em meio ao emaranhado de regras e costumes que a uma dama compete, ao anseio das mulheres de casar, cumprir com os tradicionais deveres de esposa e dona do lar, Gabriela se destaca em oposição ingênua, diferente da de Malvina, aos paradigmas da sociedade ilheense. Gabriela não deseja liberdade, é a liberdade. É o pássaro fazendo rasante temendo pouso. Acha que a sociedade com todas as suas convenções é uma prisão, e tampouco entende o motivo de as pessoas viverem normalmente com isso. Ao se casar com o sírio dono do bar Vesúvio, Nacib, a quem todos ora chamam turco, ora árabe, mas brasileiro com orgulho, Gabriela se vê privada de fazer as coisas que gosta. De ser dama da alta-roda gostava não, de frequentar conferências e andar de sapato também gostava não. No entanto ia às conferências de sapato, tentava comportar-se, comedir-se, não rir tanto, não falar alto, abria mão das rodas de brincadeira, do circo, até de dançar no terno de reis, para satisfazer Nacib, que tanto a queria introduzida na nata ilheense. Moço bom, era seu Nacib. Fazia de um tudo por ela, queria vê-lo feliz, só isso.
Em paralelo a essa transição de pássaro voando alto a pouso matrimonial de Gabriela, desenvolve-se as histórias da cidade, centradas nos confrontos políticos de Mundinho Falcão e Ramiro Bastos. Ramiro Bastos, temido e destemido coronel da cidade, manda-chuva que conquistou suas posses na violência e na morte, assim como todos ou a maioria dos outros coronéis, tem sua autoridade abalada pelo influente Mundinho Falcão. Este, vindo de família rica do Rio de Janeiro para esquecer um amor, deseja transformar, modernizar a cidade, contrapondo os princípios conservadores que imperavam até sua chegada. Não só em questões materiais Mundinho pretendia empurrar pra frente a atrasada cidade de Ilhéus, mas também cultural e moralmente, uma vez que a atitude do Coronel Jesuíno de matar a esposa, Sinhazinha, que o traía com o dentista Osmundo Pimentel, é louvada por quase toda a cidade.
Dentro desse cenário de efervescência política, destacam-se outros personagens: Malvina, inteligente menina que critica a sociedade patriarcal e tenta incutir a ideia, absurda para a época, de direito das mulheres. O poeta apaixonado Josué que, tendo se separado da menina Malvina, procura consolo nos fartos seios da amancebada do Coronel Coriolano, Glória. Os eloquentes amigos de Mundinho, Doutor e Capitão, grandes responsáveis por proliferar a necessidade dos avanços. O sensato Coronel Altino. O galante e conquistador Tonico Bastos, entre outros.
Quanto a Nacib, indiferente às questões políticas por conta de seu bar, que deve ser aberto a todos, contenta-se com seu casamento com Gabriela, pois agora ninguém faria propostas a ela. Cobiçariam, sim, mas não como antes. Dava vestidos, joias, colocaria Gabriela na alta-roda da sociedade. Já o casamento para Gabriela ia de encontro com a previsão de João Fulgêncio: há flores que no galho rutilam, resplandecem, mas quando postas no barro murcham e morrem. E Nacib ao descobrir que de fato sua rosa havia murchado, seu pássaro fugido da gaiola, já se contenta em admirar a beleza do que é livre, já não mais deseja adaptar Gabriela à sociedade...
P.S.: A novela atual muito pouco tem a ver com o romance do Jorge Amado