Fernanda.Redfield 30/07/2018
Uma volta ao passado que desanda um "presente" promissor.
No segundo volume da Série Silo, Hugh Howey contraria o convencional e entrega uma prequel ao invés de continuar a história da onde parou. Esse volume poderia, muito bem, ser um spin off e, talvez, seria melhor se fosse assim.
SINOPSE: E se a sobrevivência dos seres humanos dependesse do deslocamento de milhares de cidadãos para uma enorme cidade subterrânea, com gigantescas telas de TV transmitindo imagens desoladoras do mundo do lá fora, e ninguém fosse autorizado a sair?
No primeiro livro da trilogia, a heroína era Juliette, uma operária nascida nos subterrâneos do bunker. Nesse segundo volume, Ordem, a história volta a um período anterior, explicando como o mundo de Juliette foi transformado. O livro revela as decisões, tomadas por alguns poucos poderosos, que foram o estopim das bilhões de mortes que deixaram a humanidade em vias de extinção.
O primeiro volume da série é caracterizado pela tensão crescente aliada ao mistério daquele mundo devastado apresentado pelos olhos de Juliette - uma das melhores protagonistas femininas dos últimos anos - e toda a aclimatação, aliada ao carisma sensacional dessa personagem tão humana e, inconvenientemente, heroica, tornam a experiência proveitosa e inquietante. Porém, infelizmente, ORDEM faz o caminho contrário ao voltar no tempo e, praticamente, ignorar a presença de sua protagonista que impulsionou todo o enredo da série.
Nesse volume, somos apresentados a personagens masculinos - se SILO tinha uma representatividade incrível com Juliette e Jahns, isso é praticamente inexistente aqui - que contrastam agressividade com os encontrados no volume anterior: os três "heróis" da trama são superficiais e, basicamente, estereótipos de tipos encontrados em qualquer literatura.
Donald é um deputado recém-eleito, na época em que o mundo era como conhecemos hoje que entra em um projeto secreto do governo motivado pelo interesse do Senador Thurman, poderoso, em sua pessoa e, também, pela arrogância de ser notado pelo mesmo. O seu enredo começa antes e continua depois da instalação dos silos, ele faz parte da cúpula do poder que idealizou a construção dos mesmos e que, também, determinou o "futuro" da humanidade: os habitantes do Silo 1. Ele foi o meu maior problema durante todo o livro, é difícil engolir todo o complexo de culpa que ele carrega, além do individualismo que permeia a maioria de suas atitudes. Também foi estressante ver a "transformação maléfica" dele em prol do bem comum. É um personagem irritante e que sobrecarrega e muito o seu enredo que, de fato, é o principal do livro por trazer as respostas e, também, a visão do outro lado em relação a Juliette. É um personagem tão problemático que não tem como relacionar o Donald do início do livro com o do final, parecem personas totalmente diferentes.
Mission é um jovem habitante do Silo 18 (o mesmo de Juliette) que vive às vésperas do Grande Levante, cuja descoberta da origem levou a Alisson do Xerife Holston a ser mandada para a Limpeza no primeiro livro. Dos três, Mission é o que mais convence e o que menos irrita, ele inspira empatia por ser mais um em meio aos outros, exatamente como Juliette era no primeiro livro. A sua jornada, intimamente ligada ao Grande Levante, tem como objetivo mostrar como a organização da cúpula de poder dos homens que governam todos os silos é forte e pode mudar, qualquer um.
O último personagem é Solo, ou melhor, Jimmy antes de se tornar Solo. Ele foi apresentado no primeiro livro e se naquela ocasião foi um personagem curioso e intrigante de ser descoberto, nesse livro, o seu enredo foi maçante e difícil de engolir. Sobretudo, nas partes em que os seus primeiros dias, como adolescente, foram narrados. Claro que muitos de seus sentimentos, amplificados e desfigurados pela solidão, são compreensíveis... Mas, o drama, por vezes, passou dos limites.
Em ORDEM, também estão muitas das respostas às perguntas habilmente levantadas no primeiro livro. Porém, se as perguntas foram sabiamente indagadas, as respostas apresentadas aqui parecem sofrer com o ritmo do livro, cheio de cortes temporais desnecessários e capítulos que poderia ser eliminados sem dano à trama, e também, com o conteúdo das respostas. Claro que é assustador saber que, no final das contas, alguns poucos foram responsáveis pelo mundo catastrófico que os personagens vivem atualmente, mas, a situação foi construída de forma caótica e, assim, a resposta não teve o impacto que deveria ter.
Claro que o livro tem os seus pontos fortes, como a introdução da Criogenia e a explicação da importância da Nanobiotecnologia - eu não sabia da existência dessa área de conhecimento até ler a série - nos eventos da Série Silo, porém, a sensação que fica é que poderia ser ainda mais e isso se torna mais evidente quando comparado ao primeiro volume, cujo cuidado na atmosfera, nos personagens e nos eventos é mais do que perceptível.
No fim, ORDEM sofre e muito com a ausência de Juliette que aparece, quase como participação especial, apenas no final do livro. Também peca em costurar uma trama se passando em vários anos diferentes, coisa que poderia ser feita em um volume adicional brasileiro (eu sei que as histórias dos três personagens são separadas por livros na Amazon, mas, essa organização prejudicou demais o aproveitamento de quem leu a nossa edição), também peca em se apegar aos clichês para resolver perguntas que, no primeiro livro, aparentavam ter respostas melhores... E, essencialmente, ORDEM peca e muito ao dar, subitamente, uma solução mágica à toda problemática da série na história de Donald.
Resumidamente, Hugh Howey não precisava ter voltado ao passado, tratando-se de Jimmy e do Grande Levante e poderia ter usado esse tempo para desenvolver melhor Donald e todos os mistérios dos habitantes do Silo 1. A volta ao passado também retrocedeu todo o caminho que SILO havia trilhado até então. Espero que LEGADO me surpreenda porque a série tem muito potencial para ser esquecida como mais uma distopia que poderia ter dado certo.