Rafayane 24/12/2009
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Monteiro Lobato é sem dúvida alguma, um dos maiores ícones da literatura brasileira, nascera no Brasil em Taubaté, cidade de São Paulo, em um período que antecedeu tanto a abolição da escravatura quanto a república que foram marcos importantes no período no qual viveu, nasceu no ano de 1882. O escritor paulista não resumiu sua vida a escrita, na verdade formara-se em advocacia, por vontade familiar e exerceu a função. Mas, além disso, foi tradutor de obras singulares para o “desenvolvimento” do país, e inaugurou também uma espécie de independência e revolução nos livros didáticos no que se refere a editoras, pois abriu várias editoras. Após o falecimento do seu avô tornou-se também fazendeiro, vindo a falir posteriormente. O autor faleceu no ano de 1948 por consequência de um acidente vascular.
O autor está inserido no pré-modernismo, que na prática nem se consolida como escola literária, é na verdade o período transitório entre parnasianismo-simbolismo e o modernismo, nesse contexto é que acontecem os marcos citados no parágrafo anterior: a república e a abolição. Além disso, esse é um período no qual acontecem vários movimentos realmente populares, como Canudos, Revolta da vacina, Contestado, entre outros. Portanto, podemos afirmar que era um momento de grandes transformações sociais em que havia um acentuado desequilíbrio, entre as elites e as camadas desfavorecidas, que com o advento republicano estavam sendo expulsas do meio urbano. Com esse contexto social, os autores pré-modernistas assumem algumas tendências das quais as que mais se aplicam a Lobato é a de regionalismo e uma ruptura com o estilo de escrita do passado, sendo, portanto inovador. A sua mais lisonjeada inovação é referente à literatura infantil, que é a que o autor escreve de forma mais aprazível, passeando pelo universo da imaginação, mesmo sendo um racionalista. As principais personagens desse universo são Emília (considerada seu auto ego, uma boneca inteligente e falastrona), Pedrinho (como representante da sua infância) entre outros. O autor trata de muitas questões sobre o progresso e defende que o Brasil deve ser independente no que se refere à exportação e outras questões. Embora o sucesso tenha sido marcado por obras infantis também escreveu outros livros, a exemplo de O presidente negro (1926). Neste romance podemos perceber aspectos de regionalismo e também as influências positivistas. Ele tem como tema principal à discussão sobre raça.
Esse romance será o nosso objeto de estudo, esse romance que nem era do conhecimento público, que nem consta em algumas das biografias do autor, mas após um fato determinante no ano de 2008 é resgatado, e coloca Monteiro como um profeta. O fato ocorrido foi os Estados Unidos da América eleger seu primeiro presidente negro, Barack Obama. Apropriam-se do fato de Lobato ter falado de um presidente negro em 1926, para atribuir-lhe o titulo de profeta, mas como saberá no porvir são bem dispares as situações.
É sagaz no desenrolar da história começa com uma história intrigante e prende o autor a sua literatura, através de um personagem simples e tipicamente brasileiro, se deparando com pessoas que na realidade parecem que não existem. E com isso leva alguns capítulos, nos quais mostra-se inclusive determinista, ao expor que a máquina que possibilita ver o futuro só dar certo porque 2 + 2 =4, e que as coisas acontecerão por estarem determinadas. Com isso o leitor já preso ao romance ele vem com o seu interesse realmente, que é tratar do choque das raças, e termina-o com um simples beijo, como se tirasse o peso de toda aquela história cheia de preconceitos e discriminações.
O presidente negro é uma obra singular, trata de temas ainda contemporâneos, o que não dá o título de profeta a Lobato, trata temas como feminismo e raça. Como característica inclusive de Lobato, o romance não deixa de ser imaginário, ele para tratar o tema cria um mote casual, embora não comum já que em sua composição há uma máquina que por meio dela pode assistir o futuro, porém essa é a parte vamos dizer que lúdica do romance, para o entretenimento do leitor, mas por trás temos discussão de raça, feminismo e miscigenação. Vale ressaltar que o romance é escrito as pressas na intenção de ser publicado nos EUA e alcançar grande nível de venda, o que por sinal não acontece.
A história se desenvolve principalmente entre miss Jane, jovem sábia e bem instruída, não contaminada com as práticas mundanas. E Ayrton um jovem trabalhador que leva uma vida vazia, mas que não houvera se dado conta disso antes de conhecer alguns mistérios da vida, o qual começou a conhecer após um acidente de carro, quando conheceu a família de miss Jane. A família de miss Jane vale salientar era somente ela e o seu pai Dr. Berson, um homem sábio, que desenvolveu o porviroscópio, que servia para ver os recortes do futuro. O porviroscópio só era conhecido do pai e filha (haviam os empregados, que sabiam da sua existência, mas nem falavam sobre isso). Com o acidente Ayrton foi levado a casa desses onde começou a entender os segredos, e após a morte do Dr. Berson (que antes de morrer destruiu sua criação) miss Jane ficou encarregada de contar o que tinha visto pra o Ayrton transcrever a um livro. Com isso eles desenvolvem um método de contar a história, e o moço passa a visitá-la todos os domingos, que é no momento que ela começa a desenvolver o discurso sobre o ano de 2228, nos EUA.
Lembrando que a forma com que se vivia era bem diferente da que eles tinham na época, na qual o romance foi escrito. A narração dessa história se desenvolve pelo advento de uma eleição onde a raça branca está dividida pelo sexo, homens e mulheres, e nesse momento de divisão da raça branca o líder negro por estratégia torna-se o presidente. Isso não é bem aceito, e trás desespero aos brancos, que se arrependem de terem se dividido, e deixa a todos atônitos, por fim na posse ele acaba morrendo e os brancos voltam ao poder deixando o povo negro sem perspectiva de organização já que o seu líder estava morto. Mas nesse contexto, os EUA já desenvolvido vários produtos pra tornarem brancos os negros, que pra Monteiro Lobato era a raça superior, como o embraquecimento da pele e o alisamento definitivo dos cabelos. Quando miss termina de contar a história o jovem rapaz já é rendido de amores por ela, mas como esse não era o foco do romance Lobato deixa à incógnita, não definindo se eles serão ou não felizes para sempre.
O autor mostra-se demasiadamente preconceituoso, e desaprova totalmente a miscigenação. Isso devido aos pensamentos inclusive da sua classe social, que defendia que a verdadeira raça é a raça branca. No romance ele defende a EUGENIA, eugenia negativa segundo a literatura. Monteiro tinha o branqueamento como a solução para as misérias. Julgava que o maior erro do Brasil era ter se misturado, e que os brasileiros deveriam seguir o exemplo estadunidense onde a raça estava separada, onde a segregação era clara, negros e brancos não se misturavam. Na verdade ele tinha grande estima pelo país norte americano inclusive Monteiro se mostrava um liberal, e desejava muitíssimo o desenvolvimento da nação brasileira, e para isso o Brasil tinha que acabar com a praga da mistura.
É importante também ressaltar as influências positivistas do autor, pois este tentava provar através da ciência que os negros eram a raça inferior. Prova essa que era validada no momento que a ciência comprovava tal hipótese, e ele junto com outros como Nina Rodrigues tentavam, e chegavam a absurdos científicos que provavam que os negros eram inferiores. O seu livro ele tenta provar tal absurda hipótese ao mostrar o desenvolvimento dos EUA comparando a fragilidade do Brasil. Porém, não podemos esquecer que os EUA vinha de um processo que o elevara a potência absoluta, isso se deu porque o país imperialista saiu da 1° guerra mundial como grande vencedor, e passa a financiar a reconstrução dos países europeus que estavam destruídos, tanto os vencedores como os perdedores da guerra, com isso a população dos EUA estava vivendo momento de fartura, tendo acesso maior ao consumo.
Ao contrário dos EUA o país de Lobato vivia grande miséria, inclusive por que após, a abolição, os negros estavam sendo expulsos da cidade, para dar um parecer de cidade desenvolvida, e assim foram se formando cortiços e mais tarde favelas. Monteiro então culpava os negros da nação por tanta miséria e os EUA onde não havia a mistura eram bem desenvolvidos. Monteiro, porém esquece-se dos processos que ocorreram de forma muito distinta nos dois países. Ele dizia que o negro era um ser muito mais instintivo, o que alcança maior grau ao saber que ele era um racionalista.
Com esse romance percebemos um Monteiro Lobato, diferente do que diverte com seus contos e livros infantis. O livro foi escrito na intenção de ser bem aceito no norte da América, mas não teve reconhecimento devido as impossibilidade e exageros que viam naquilo. Um romance futurista. Porém não podemos nos iludir que Monteiro previa que elegeriam Obama. Prova evidente disso é que no livro além de tecer um discurso contra a miscigenação, também prega que a raça branca não deve se dividir, não devendo existir a separação entre homens e mulheres brancas, pois quando isso acontecer ocorrerá à lamentável ascensão da raça negra. Fica muito claro no romance, quando vemos o arrependimento das mulheres brancas ao Jim Roy (líder negro) ganhar as eleições.
Através desse temos um romance que mostra o pensamento de uma classe no Brasil em determinada época, possibilitando-nos compreender as origens do nosso preconceito, percebemos um gênio, brilhantíssimo escritor que tinha um defeito enorme e via os negros como de fato uma raça inferior e que não merecia respeito, e que não deveria se misturar. Uma ideia que também foi adotada por ideologias que destruíram muitas pessoas em nome de uma raça pura e verdadeira. Com isso vemos também a necessidade de compreendermos o processo de formação do país verde e amarelo que rouba do negro a possibilidade de se manter na vida, e além de roubar esse direito ainda julga que as consequências cruéis que trouxeram aos negros servem de justificativa pra provar a sua incapacidade intelectual. Portanto, a discussão não deixa de ser contemporânea e não deixa de ser debatida depois de quase um século, mas agora tendo outras visões e outras literaturas, provando a capacidade do negro, mas não esquecendo o direito que lhes foram tomados.