Ruan.Campello 28/08/2022
O castelo de Londres.
Se torna impossível, ou pelo menos, inconcebível para mim, resenhar o notoriamente titulado "primeiro romance gótico" sem narrar-lhe a história e contexto de sua publicação e autor.
??Contexto e Walpoles??
Deve ser citado um Walpole tão importante quanto este que se nota na autoria do livro em questão. Quem está familiarizado com a história política e nobiliárquica da Inglaterra e do UK, deve facilmente reconhecer esse sobrenome [Walpole], mas para quem não tem afinidade com tais assuntos como eu tenho, deixo o primeiro tópico para tal.
Sir Robert Walpole, é considerado o primeiro "Prime Minister" do Reino Unido, pelo menos o primeiro de facto, devido à sua vasta influência na política britânica de seu tempo. Seu filho, portanto, nasceu em um dos melhores berços do pequeno arqueólogo britânico. Horace Walpole foi o 4º (e último) earl of Orford. Explica-se esse título notanto que Robert Walpole foi o primeiro earl of Orford, (conde de Orford, já que na época não se usava "count" para conde, e sim a palavra na origem escandinava "jarf", do inglês antigo "eorl") da segunda geração, e seu filho Horace, que morreu sem filho (pelo menos legítimos), foi o último conde de Orford (e não Oxford, deva ser dito).
Apesar da paternidade de Horace ser questionada, levantando dúvidas sobre a fidelidade da sua mãe, ele sucedeu normalmente seu pai no Congresso, como era a tradição.
Uma das obras mais conhecidas de Horace, além do Castelo de Otranto, é a residência de Strawberry Hill, (que serve de inspiração para o próprio castelo de "Otranto") construída no estilo neogótico tão caro ao seu dono. Com vista para o Tâmisa, a casa é famosa por sua arquitetura e coleção interna, grande passatempo de Horace, já que nobres têm que ocupar sua vida preguiçosa de ócio e desprovida de qualquer ofício.
? A obra itself ?
A primeira edição de "The castle of Otranto" foi lançada em 1764, como se fosse tradução de um manuscrito italiano do período das Cruzadas. Apenas na segunda edição, Walpole assumiu a autoria da obra, com deveras justificativas, pois na época era quase um decoro algum nobre dedicar-se a uma ficção.
O romance (às vezes classificado como novela, porém me permito o uso do termo pelo romancismo e romantismo aqui iscrustrado) segue a trágica e melodramática história dos Manfredo, família que reinava no principado de Otranto, na Itália.
Para os aficionados por história, a com H maiúsculo, como diriam os historiadores, podem pesquisar sobre a vida de Manfredi di Sicilia, ou Manfredo da Sicilia (1232?1266), que contém detalhes obviamente usados aqui como traços da narrativa de Walpole, essa personagem inspirou até mesmo Byron, no seu poema "Manfred", de 1817.
? Escrita e narrativa ?
Como no próprio texto do autor para as edições posteriores da primeira, o barroquismo da estrutura e seus diálogos rebuscados se deve justamente pelo autor dizer que a narrativa foi composta nos períodos das Cruzadas, e tê-la apenas traduzida para o inglês, mantendo a elegância do italiano original.
Talvez esse estilo e mais provavelmente as lamúrias das personagens tenha feito com que eu não tenha me conectado com a narrativa, apesar de reconhecer sua importância.
A narrativa mostra o drama de Manfredo, que tenta por algum motivo (revelado posteriormente), casar seu filho de toda maneira com Isabella. Porém, por um acaso do destino, o seu único filho morre no dia do casamento de forma misteriosa e brutal. Após isso, o castelo de Otranto começa a ser assolado por mil desgraças, com gigantes, fantasmas e tudo que existe de sobrenatural, como destino traçado e promessas postmortem.
Toda essa atmosfera serve de palco para os ataques românticos de Teodoro por Matilda, filha de Manfredo, jovem com aura divina e de aparição e origem desconhecidas.
Os terrores da sucessão e de herdeiros acometem e propulsonam a narrativa, como o próprio Walpone diz:
"Gostaria que ele [Walpole se refere ao suposto autor de quem ele traduz o livro, porém sabemos que foi ele mesmo quem o escreveu e não traduziu coisa alguma] tivesse baseado o seu plano em uma moral mais útil do que esta, de que ?os pecados dos pais persistem em seus filhos até a terceira ou quarta geração?."
Entendo os que dizem que esta não se trata de uma história gótica de facto, tendo em vista a falta (ou escassez) das descrições do ambiente, natureza e, principalmente, arquitetura e interiores das residências e castelos. Então tudo bem classificar este texto como "proto-gótico", como classificam Jane Austen como proto-feminista e et cetera, notando a influência da obra sobre autores caros para mim, como Abraham Stoker, Mary Shelley, Stevenson, dentre outros.